Eleições no Chile: um dilema em aberto

16 de Novembro, 2025
7 mins leitura

Pelo Movimento Socialista das e dos Trabalhadores (MST), secção da UIT-QI em Chile

As próximas eleições presidenciais e parlamentares serão o cenário em que se expressarão parte importante das profundas contradições do Chile atual. A questão central não é quem vai ganhar, mas em que condições essa vitória ocorrerá. A continuidade do governo de Boric ou a chegada da direita, inclusive da extrema direita, ao Palácio da Moneda. Nenhum deles será o nosso governo, e contra todos eles teremos de continuar a organizar-nos e a mobilizar-nos, mas devemos compreender profundamente o que acontecerá nas urnas a 16 de novembro.

Quem governa, perde

Há 15 anos que se instalou uma dinâmica que se aplica sem exceções: a coligação política que ganha o governo acaba por perdê-lo nas eleições seguintes. Assim, a direita e a centro-esquerda alternaram-se no poder nas últimas quatro administrações. Não é um fato aleatório. Os crescentes problemas sociais, económicos e políticos que milhões de famílias trabalhadoras sofrem não podem ser resolvidos pelos mesmos governos capitalistas que os impõem.

A profunda desigualdade social, o sistema político antidemocrático, o modelo económico extrativista e privatizador que nos impuseram provocaram uma onda massiva de protestos radicais na rebelião popular de 2019. Os males do capitalismo chileno ficaram evidentes nas vozes de milhões de vítimas que sofrem diariamente. Seis anos depois, com o governo de Boric junto com a ex-concertação, a Frente Ampla e o Partido Comunista, nenhuma das reivindicações exigidas nas ruas foi resolvida. Pelo contrário, avançou-se no caminho do ataque capitalista dos “30 anos” (referente aos anos da junta militar e ditadura do General Augusto Pinochet, entre 1973 e 1990), de mãos dadas com a direita no Congresso.

Mais uma vez, a decepção de milhões com o atual governo marcará o curso da votação. O governo de Boric esgotou, em grande parte, as constantes promessas de “mudança e transformação” que nunca se concretizam, e isso provocou a ruptura de grande parte do eleitorado. A direita tradicional, que também é vítima da rejeição popular após os desastrosos governos de Piñera, deixou um espaço que vem sendo ocupado pela extrema direita de Kast e Kayser.

O avanço da extrema direita chilena é uma miragem. O seu discurso conservador e os ataques económicos brutais contra as famílias trabalhadoras e os povos não são a base do seu possível apoio eleitoral, mas o resultado de uma campanha que procura capitalizar o medo da criminalidade e os preconceitos xenófobos contra as comunidades migrantes. Não se trata de uma virada social para posições de direita, mas sim de um voto de protesto contra as antigas coligações políticas dos últimos 30 anos.

Não devemos minimizar a ascensão da extrema direita

O avanço da extrema direita está muito longe, por enquanto, de augurar a ‘chegada do fascismo’. Os candidatos deste setor terão a mesma tarefa que os governos até hoje, que não é outra senão administrar ataques económicos contra as famílias trabalhadoras, os povos e o meio ambiente. Neste caso, esse ataque será mais aberto e descarnado. Esta contradição colidirá frontalmente com a tentativa de transformar o voto de protesto numa base social reacionária maciça que apoie a sua agenda anti direitos e os seus discursos de ódio, por mais que possam fazê-lo parcialmente reorganizando o pinochetismo e os setores fascistas que sempre existiram de forma minoritária no país.

Não devemos minimizar o rumo que o próximo governo tomará se a extrema-direita vencer. O facto de não ter condições de impor todos os seus planos não significa que não tentarão avançar nesse sentido. Sobretudo se obtiverem maioria no Congresso, com todos os meios de comunicação a seu favor e, acima de tudo, com os capitalistas aproveitando esse governo para acabar com as conquistas democráticas e trabalhistas. 

Devemos apoiar a continuidade do governo de Boric?

Diante do desespero pelo claro avanço eleitoral de Kast e da extrema direita, muitos ativistas sociais e sindicais resignam-se diante do único caminho que acreditam ser possível para detê-lo: o apoio a Jeantte Jara, candidata do atual governo. Não há nada de arbitrário nessa opção de companheiros honestos, que entendem claramente que é a única com possibilidades eleitorais contra Kast. No entanto, é uma opção errada.

A ascensão da extrema direita, como temos vindo a dizer, avança pelo caminho que este governo lhe abriu. Não só porque Boric e Jara não cumpriram nenhuma das suas promessas e governaram com uma agenda absolutamente capitalista: aprovaram o infame TPP-11 (O Acordo Global e Progressivo de Parceria Transpacífica é um acordo comercial multilateral entre Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura, Reino Unido e Vietname), militarizaram o Wallmapu (nome dado por grupos indigenistas a territórios que cultural, geográfica e historicamente haviam sido habitados por tribos mapuche) contra o povo Mapuche, salvaram o modelo de saúde privada com o seu apoio às ISAPRES (O sistema de saúde no Chile funciona como um sistema misto, combinando a prestação de serviços de saúde públicos e privados. O sistema público, conhecido como ‘Fondo Nacional de Salud’ – FONASA, é financiado através de impostos e oferece cuidados gratuitos ou subsidiados àqueles que não têm condições financeiras para pagar um seguro de saúde privado, enquanto o sistema privado é composto por várias seguradoras, chamadas ‘Instituciones de Salud Previsional’ – ISAPRES, e por instituições de saúde privadas, que oferecem serviços mais abrangentes para aqueles que podem pagar, permitindo que os indivíduos optem por sair do sistema público e adquirirem um seguro de saúde privado), impuseram uma reforma das pensões a favor da manutenção das AFP (As AFP – Administradoras de Fundos de Pensões, no Chile são instituições financeiras privadas que administram as poupanças para a pensão dos seus afiliados. Estas entidades funcionam sob um sistema de capitalização individual, onde as poupanças de cada pessoa são investidas para gerar rentabilidade e obter uma pensão de velhice, invalidez ou sobrevivência.), aprovaram leis repressivas contra as mobilizações e de impunidade dos carabineiros (policias) e militares repressivos, e muito mais. Medidas e leis grosseiras apoiadas descaradamente pela direita.

O mais escandaloso é que defenderam publicamente Piñera como “um grande democrata”, reivindicando o que fez durante a rebelião popular de 2019. Um discurso que teve frases oficiais do governo explicando que o seu grande feito foi “normalizar o país” por meio de acordos, reafirmando que os odiados 30 anos são o único caminho pelo qual o país pode crescer. Nada mais nada menos do que uma apologia aos governos que afundaram milhões de famílias trabalhadoras e populares em dívidas para sobreviver mês a mês, que vêm destruindo o meio ambiente e que entregaram o país ao imperialismo ianque e às multinacionais.

O medo de um possível governo de Kast é usado para conseguir apoio para Jara, uma candidata que na maioria das vezes se posiciona à direita de Boric. As suas intervenções públicas vão desde ignorar o programa com que se apresentou às primárias, que não tinha nada de radical, até assumir o que há de mais reacionário e podre da antiga concertação. Este beco sem saída apenas procura reafirmar na consciência de milhares de honestos companheiros e companheiras que só podemos optar por alguma forma de capitalismo dominando o país, e que o resto é uma simples utopia, ou pior ainda, é “fazer o jogo da direita”.

Devemos-nos preparar para enfrentar a extrema-direita nas ruas

Isso está a ser demonstrado pelos migrantes nos EUA contra Trump, por setores da classe trabalhadora na Argentina contra Milei, e por muitos países do mundo contra o genocida Netanyahu: o único caminho real para nos opormos à extrema direita estará nas ruas e dependerá do nível de organização, unidade nas lutas e mobilizações que formos capazes de construir a partir de agora. Porque não devemos esquecer que esses países também demonstraram que a centro-esquerda, uma vez que é oposição parlamentar, deixa governar essa mesma extrema direita que diz odiar, tentando nos convencer de que devemos esperar pelas próximas eleições presidenciais para deter os seus ataques.

Não é um caminho que começa hoje, porque dependerá da unidade de organizações e ativistas que há anos lutam para defender a classe trabalhadora, os povos e o meio ambiente de forma separada e dispersa. Trata-se de unir experiências, de somar em uma única direção, de construir uma referência unitária e comum para impulsionar mobilizações, mas também para construir uma referência política eleitoral que permita aproveitar a decepção com o governo de Boric e seus partidos para uma organização que realmente sirva como uma ferramenta para representar as nossas necessidades mais sentidas.

É nesse sentido que muitas candidaturas, entre elas as da Esquerda Ecológica e Popular, surgiram fora do governo e da direita, a partir do mundo dos trabalhadores, da luta nos territórios e do ecologismo, como expressão da necessidade urgente de contar com candidaturas que realmente levem as nossas reivindicações ao Congresso, mas, acima de tudo, contribuam para a organização e mobilização para que elas sejam realmente resolvidas.

Sem dúvida, essa unidade terá uma tarefa imediata a partir de segunda-feira, 17 de novembro: discutir o que fazer diante de um possível segundo turno presidencial. Para nós, trata-se de buscar uma discussão ampla e democrática entre organizações e ativistas para definir uma posição comum e uma resposta pública que mostre que, fora dos blocos políticos que disputam o governo nesse segundo turno, existe um universo de organizações sociais, sindicais, territoriais, ecologistas e políticas.

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