As eleições de 18 de maio abriram uma nova etapa na crise do regime português. A vitória da Aliança Democrática (AD), o crescimento do Chega até ao patamar do PS e a hecatombe do Bloco de Esquerda e da CDU desenham um parlamento mais à direita, mais instável e mais fragmentado. Mas a fotografia do parlamento não deve esconder o essencial: o que está em curso é o aprofundamento de um processo de decomposição do regime democrático, incapaz de dar resposta às necessidades mais básicas da maioria trabalhadora.
Este novo equilíbrio institucional não significa um consenso na sociedade em torno da agenda da direita e da extrema-direita. Pelo contrário: o que se expressa é uma rejeição cada vez maior ao regime construído por PS e PSD, e ao seu legado de privatizações, degradação dos serviços públicos e perda de direitos. Não por acaso, apesar de termos assistido ao nível de abstenção mais baixo nos últimos 30 anos, este continuou acima dos 35%, ou seja, mais de três milhões de trabalhadores não consideraram votar em nenhuma das opções oferecidas pelo sistema, mais do que aqueles que votaram na coligação vencedora.
Neste contexto, a ascensão do Chega reflete uma combinação perigosa de raiva acumulada, desilusão com as promessas do “centro-esquerda” e ausência de uma alternativa radical à esquerda, vazio que permite à extrema-direita capitalizar o descontentamento de amplos setores populares. No entanto, no novo patamar que alcançou, o partido será confrontado com a contradição entre o seu novo discurso de “responsabilidade”, assumindo estar disponível para legitimar um governo de Montenegro – que durante a campanha comparou a José Sócrates -, e a necessidade de manter a pose de partido “antissistema” que lhe permitiu crescer.
Depois do choque eleitoral, o essencial é não cair em fatalismos e começar a organizar a resposta à “viragem à direita”, que não é irreversível nem nos condena a uma derrota definitiva. É urgente construir um plano de lutas unificado, independente dos partidos que nos governaram até aqui, que trave nas ruas os ataques que a direita prepara, e avançar também na construção de uma alternativa política ao centrão e à extrema-direita.
Com ou sem revisão constitucional, a ameaça aos nossos direitos é real
Muito se tem discutido sobre a possibilidade de uma revisão constitucional, já que a AD, o Chega e a Iniciativa Liberal somam os dois terços de deputados necessários para o fazer. Perante as pressões de ambos os lados do espectro político e a necessidade de evitar uma nova crise política, vários quadros da AD têm procurado apresentar o futuro de governo como moderado e responsável, um governo “ao centro” focado na estabilidade política e na capacidade de negociar tanto com o PS como com o Chega, evitando dar passos que contribuam para uma maior polarização, como é o caso da revisão constitucional.
Mas mesmo que levássemos a sério a promessa de Montenegro de não avançar com alterações à Constituição sem o acordo do PS, o histórico das revisões constitucionais devia ser motivo suficiente para não baixarmos a guarda, já que a Constituição foi revista sete vezes desde 1976 e em todas elas o PS teve um papel central, seja como promotor direto dos retrocessos introduzidos, seja como cúmplice do PSD.
Ao mesmo tempo, é incontornável que a composição do novo parlamento abre espaço para o avanço de uma agenda de ataques aos direitos laborais, sociais e democráticos — e essa ofensiva não depende, necessariamente, de uma revisão constitucional. Com o apoio da IL e a abstenção ou cumplicidade do PS, a AD pode avançar com medidas que acelerem privatizações, limitem o direito à greve ou fortaleçam o controlo repressivo sobre os bairros populares, os movimentos sociais e os sindicatos, sem tocar na Constituição.
No entanto, a revisão constitucional seria, sem dúvida, um passo mais estrutural para institucionalizar o autoritarismo e reconfigurar o regime. Havendo ou não alterações à Constituição, a ameaça aos nossos direitos é real e exige uma resposta de conjunto da esquerda – dos partidos, dos sindicatos e dos movimentos sociais.
A unidade de que precisamos é para lutar
Perante o péssimo resultado do PS, o colapso histórico do BE e o declínio contínuo da CDU, ressurgem no seio da esquerda institucional apelos à “unidade” para enfrentar a “viragem à direita” e o “fascismo”. Mas que unidade? Com quem passou anos a cortar pensões, congelar salários e proteger os grandes grupos económicos? Esta “unidade” não serve aos interesses da classe trabalhadora.
A “frente popular” não é uma resposta ao fascismo — é uma estratégia de defesa do regime em momentos de crise, que dilui a independência da esquerda em blocos com partidos responsáveis pela degradação das nossas condições de vida. Foi o PS que governou com a troika, que cortou salários e pensões, que destruiu os serviços públicos e que gerou a desilusão profunda que alimentou a abstenção e o voto no Chega. E foi a aliança com o PS na “geringonça” que desarmou a luta social, normalizou a austeridade e amordaçou os sindicatos.
Agora, enquanto o PS se prepara para eleger José Luís Carneiro como novo líder — alguém que já declarou preferir garantir a “estabilidade” do governo da AD em vez de o derrubar — o PCP apresenta uma moção de rejeição condenada ao fracasso, o BE e o Livre ensaiam apelos à unidade eleitoral para as presidenciais e autárquicas, e reina a paralisia nas centrais sindicais e nos sindicatos dirigidos pela esquerda. Perante isto, é fundamental defender uma política combativa e independente, que não caia na lógica defensiva nem na adaptação institucional.
O Trabalhadores Unidos defende, sim, a unidade — mas uma unidade para lutar, concretizada através da mobilização social, não para encontrar forma de governar com aqueles que nos trouxeram até aqui. A unidade que precisamos não é para preservar cargos ou maquilhar derrotas, mas sim para organizar lutas reais, com os trabalhadores, a juventude e os setores populares como protagonistas. Para isso, propomos a convocatória de assembleias abertas, plenários e encontros locais e nacionais entre partidos de esquerda combativa, sindicatos e movimentos sociais para avançar na construção de lutas unificadas.
Precisamos de um plano de ação que unifique as lutas pela taxação das grandes fortunas, contra os despedimentos, por um plano de obras públicas que garanta o direito à habitação e crie novos postos de trabalho, e pelo fortalecimento dos serviços públicos, em particular a saúde, a educação e os transportes. Assim como a defesa de plenos direitos para os imigrantes, a juventude, as mulheres e para a comunidade LGBTQIA+. É necessário exigir à CGTP e à UGT a construção de um plano de lutas unificado para travar qualquer tentativa de ataque ao direito à greve e à proteção em caso de despedimento, impedir o avanço da privatização dos serviços públicos e arrancar um aumento do salário mínimo e das pensões capaz de compensar a perda de valor que estes sofreram nos últimos anos.
Está na hora de construir uma alternativa política combativa e independente
A derrota eleitoral da esquerda parlamentar não é a derrota da classe trabalhadora. Mas mostra a falência de uma estratégia de colaboração com o PS, que esvaziou a esperança num caminho pela esquerda. O que está colocado é a necessidade de construir uma alternativa política revolucionária, que organize os trabalhadores, a juventude e os setores populares para lutar — não para resistir de forma passiva, mas para passar à ofensiva.
A atual situação política exige uma resposta à altura, mas essa resposta não virá de moções simbólicas, nem de acordos parlamentares, nem de alianças eleitorais com os mesmos partidos que têm governado para os patrões. Ela terá de ser construída por baixo, com organização e luta nos locais de trabalho, nas escolas, nas universidades, nos bairros e nos sindicatos. É por aí que começa a construção da resposta política de que precisamos — não nos corredores do parlamento, mas nas assembleias de base, nos plenários, nas manifestações, nas greves.
É a partir dessas lutas que se pode dar forma a uma alternativa combativa e independente dos patrões e dos seus partidos, que lute com unhas e dentes por um programa de enfrentamento ao governo e de ruptura com o capitalismo. Um projeto que aponte para um governo das e dos trabalhadores e da juventude, assente no controlo democrático da economia e na solidariedade internacional com todos os povos oprimidos — mas que não espere pelas “condições ideais” para começar a ser construído. O Trabalhadores Unidos quer ser parte ativa desse processo, com a confiança de que a força da classe trabalhadora se revela quando luta.
Aos que temem a extrema-direita, dizemos: o medo não se combate com ilusões institucionais nem se resolve com mais do mesmo. Enfrenta-se com coragem, organização e mobilização. O Trabalhadores Unidos está ao serviço dessa tarefa: queremos construir, com todos os que sentem esta necessidade, uma alternativa enraizada na luta real, democrática, anticapitalista e sem compromissos com os responsáveis pela crise. Sabemos que o caminho será difícil, mas também sabemos que ninguém o fará por nós.