A pouco mais de uma semana das eleições legislativas, o país assiste ao período de campanha eleitoral num contexto de deterioração acelerada das condições de vida da classe trabalhadora, de crise do regime político e de avanço das forças mais reacionárias. Portugal não atravessa apenas uma crise conjuntural ou de “governabilidade”. Enfrenta uma crise estrutural, que afeta os próprios pilares do sistema político e económico, razão pela qual tem sido impossível, nos últimos 10 anos, constituir governos estáveis.
Independentemente dos discursos otimistas de Montenegro sobre atual o estado da economia portuguesa ou do saudosismo de Pedro Nuno Santos em relação aos anos de governo PS, para milhões de pessoas que vivem do seu trabalho, a realidade concreta é de salários congelados há décadas, esmagados pela inflação e pela especulação; de um custo de vida sempre a subir; de um direito à habitação transformado numa miragem, sobretudo nas cidades dominadas pelo turismo e pelos interesses do setor imobiliário; e de serviços públicos em colapso — da saúde aos transportes, passando pela educação —, fragilizados por décadas de desinvestimento e privatizações.
Perante este cenário, a resposta que a União Europeia apresenta — apoiada por PSD/CDS e PS com nuances de estilo — é demolidora: intensificar a ofensiva neoliberal e acelerar o caminho para uma economia de guerra. Em nome da “estabilidade interna” e da “segurança internacional”, assiste-se ao desvio massivo de recursos públicos para a indústria do armamento, para o rearmamento das forças armadas e para a militarização crescente das fronteiras e do espaço europeu. Esta narrativa da “ameaça externa”, reforçada pela guerra na Ucrânia, pela ascensão de potências rivais como a China e pela aparente imprevisibilidade das políticas de Trump, serve para legitimar uma economia de guerra que aprofunda a exploração da força de trabalho e canaliza lucros astronómicos para os monopólios do setor militar-industrial.
Neste contexto, não nos limitamos a escolher o “mal menor”, nem alimentamos ilusões sobre mudanças vindas do Parlamento. A resposta de que precisamos não está nas promessas eleitorais recicladas nem na escolha entre variantes da mesma política ao serviço dos grandes empresários e dos banqueiros. Por isso, a orientação de voto do Trabalhadores Unidos é crítica e sem ilusões, consciente da necessidade de uma alternativa que ainda está por construir, tarefa que tomamos em mãos ao avançar com a fundação e legalização do nosso partido. Porque votar é uma tática; construir a alternativa é a estratégia.
PS e PSD – a crise que se vê
O PS e o PSD são os dois pilares centrais do regime político português. Com estilos diferentes mas objetivos comuns, partilham a responsabilidade pela aplicação das políticas neoliberais ditadas pela União Europeia, pelo Banco Central Europeu e pelos grandes interesses económicos nacionais e estrangeiros. Alternam-se no poder para garantir a continuidade da austeridade, das privatizações, da precarização do trabalho e da militarização do país. A sua suposta oposição mútua tenta mascarar o essencial: representam a mesma classe e defendem o mesmo sistema.
As políticas destes partidos conduziram à asfixia dos serviços públicos, à entrega ao desbarato de setores estratégicos da economia nacional e ao desmantelamento do nosso tecido produtivo, da agricultura à indústria transformadora, tornando Portugal cada vez mais dependente do turismo e dos fundos europeus. Em matéria de política externa, PS e PSD partilham o apoio incondicional à NATO, aos planos de rearmamento europeu e a cobertura diplomática ao estado genocida de Israel.
A AD, que assumiu o governo em 2024, procurou apresentar-se como gestor “rigoroso” das contas públicas, focado na “disciplina orçamental”, na “estabilidade económica” e na “competitividade”, ou seja, da exploração intensiva da força de trabalho e do desmantelamento dos direitos laborais. Já o PS tenta mascarar a sua política com uma retórica “social” que fala em inclusão, salário mínimo e Estado Social, ao mesmo tempo que aplica a mesma cartilha neoliberal que avança com o estrangulamento da saúde pública e o aumento do orçamento militar.
As sondagens revelam a instabilidade do bloco central, mas apontam para uma vitória da AD, apesar da sucessão de escândalos que enfrentou recentemente, como o caso da Spinumviva e a queda do governo regional da Madeira, liderado por Miguel Albuquerque, que, apesar do escândalo, conseguiu ficar a apenas um deputado da maioria absoluta. A instabilidade e volatilidade do voto entre PS e PSD sinalizam a falta de confiança popular nas suas propostas, causada pela falta de uma alternativa credível e mobilizadora.
IL e Chega – a vanguarda reacionária do capital
A Iniciativa Liberal (IL) e o Chega representam hoje a ponta de lança do projeto mais agressivo contra quem trabalha. Com estilos distintos, partilham o mesmo objetivo estratégico: aprofundar a exploração capitalista e esmagar qualquer possibilidade de resistência organizada.
A IL, apesar das crises internas— como a cisão que originou o Partido Liberal Social —, continua a perfilar-se como força de apoio provável a um futuro governo da AD. Com um discurso tecnocrático, apresenta-se como um partido “moderno” e “eficiente”, enquanto procura destruir o que resta dos direitos sociais conquistados ao longo do século XX. A “liberdade” que propõe é a liberdade de o patrão despedir, de a empresa poluir, de o especulador explorar. De forma mais ou menos encoberta, defende a privatização total dos serviços públicos, o fim do salário mínimo, a precarização do trabalho e a mercantilização completa da vida.
O Chega, por sua vez, canaliza o ódio e o desespero social causados por anos de políticas de austeridade e de decomposição das condições de vida. Em vez de apontar o dedo aos verdadeiros culpados – o capital financeiro, os governos submissos à UE, os grandes grupos económicos –, o Chega atira as culpas para os mais vulneráveis: migrantes, minorias étnicas, beneficiários de apoios sociais. A sua proposta política combina repressão, racismo e autoritarismo, procurando garantir um Estado mais musculado. A defesa da “ordem” significa, na prática, o esmagamento das lutas populares. O discurso “anti-corrupção” é apenas o verniz que encobre um projeto de força bruta e retrocesso civilizacional.
IL e Chega não são “anti-sistema”, mas sim expressões degeneradas e perigosas do próprio sistema: são a sua vanguarda reacionária. O seu crescimento não é sinal de vitalidade democrática, mas sim expressão da falência da direita tradicional e da crise das alternativas reformistas à esquerda. Quando a gestão tradicional do sistema deixa de garantir estabilidade, abrem-se caminho as saídas de choque. Por isso, estes partidos não se combatem com moralismos nem com manobras institucionais, mas com organização independente, luta de massas e construção de uma alternativa socialista e revolucionária, que enfrente o capitalismo em todas as suas formas — liberais ou fascistizantes.
LIVRE – o CDS da esquerda
O LIVRE aproveitou a crise do BE e PCP para se apresentar como alternativa à esquerda tradicional, mas com um projeto ainda mais acelerado de aproximação ao PS, centrado em ser um parceiro confiável de governação. À medida que o partido cresce, torna-se cada vez mais notório que o LIVRE pretende ser a principal muleta do PS – à semelhança do papel que o CDS cumpriu durante décadas à direita, para que o PSD pudesse formar governo. Sem dúvida, o LIVRE está pronto para entrar em futuras geringonças, com o objetivo de moderar retoricamente a austeridade e dar-lhe uma cobertura progressista.
Com um discurso recheado de referências identitárias e ambientais, o LIVRE procura captar o voto de setores urbanos de classe média que desejam mudanças de tom no regime, mas não estão dispostos a romper com os seus fundamentos. Por trás da linguagem inclusiva e do marketing ambiental, o LIVRE tem defendido sem rodeios o alinhamento com a NATO, o aumento do investimento em defesa e a integração de Portugal na cadeia produtiva da guerra. Rui Tavares e Isabel Mendes Lopes elogiaram publicamente a NATO e a entrega de dinheiro público à indústria militar. O LIVRE apresenta-se como defensor dos direitos humanos, mas apoia ativamente as instituições que promovem sanções, bloqueios e guerras contra povos inteiros.
Ao invés de mobilizar a sociedade para enfrentar o empobrecimento, o LIVRE aposta na governabilidade, no compromisso e na conciliação, algo que a história já demonstrou não funcionar. A sua estratégia é clara: ocupar o espaço da “nova esquerda europeia” que substitui o conteúdo de classe pela estética do progresso, esvaziando as lutas de qualquer carga anti-sistémica. A ecologia do LIVRE é compatível com a guerra; o seu feminismo é compatível com a precariedade; o seu antirracismo é compatível com a militarização das fronteiras da UE. Para a classe trabalhadora e a juventude, o LIVRE não representa qualquer alternativa real. É apenas mais uma engrenagem do mecanismo de contenção das lutas sociais, que usa linguagem de esquerda para aplicar política de direita.
BE – europeísmo e ambiguidade calculada
No debate contra Rui Tavares, Mariana Mortágua afirmou com todas as letras que “o Bloco sempre foi europeísta”, referindo-se à União Europeia como um “projeto de paz” e “um projeto bonito”. Esta caracterização não é apenas errada, é cúmplice. A UE é, desde a sua origem, um projeto do grande capital europeu, concebido para blindar o neoliberalismo, destruir as soberanias nacionais e consolidar o poder das potências centrais, como a Alemanha e a França. Vender esta estrutura como reformável ou compatível com políticas de justiça social e paz duradoura é oferecer uma ilusão perigosa, que desarma politicamente os trabalhadores e legitima a dominação capitalista a nível continental.
No mesmo debate, Mariana Mortágua limitou-se a criticar a austeridade que a Comissão Europeia aplica sobre os povos, evitando tocar no essencial: os tratados que impõem a regra do défice, o pagamento de dívidas odiosas que sugam os recursos públiccos, a concorrência “livre” e a submissão ao Banco Central Europeu. Também não denunciou o papel da UE na militarização, na guerra económica contra os povos do Sul global ou no apoio ativo ao genocídio em curso na Palestina. Esta ambiguidade — que esconde uma aceitação da arquitetura antidemocrática das instituições europeias e dos propósitos neoliberais que estas servem — não é ingenuidade, é cálculo político: preservar o espaço institucional dentro do regime como esquerda de contenção e tentar não perder votos para o LIVRE e o PS. Mas a incapacidade crescente de o BE se posicionar como alternativa credível ao regime dominante tem sido evidente.
Mesmo a tentativa de recuperar protagonismo com o regresso dos “históricos” Francisco Louçã, Fernando Rosas e Luís Fazenda, que se apresentam como candidatos em círculos onde o partido já teve deputados, não parece estar a travar o declínio. A base eleitoral permanece estagnada, com a direção do BE sem capacidade de galvanizar a juventude precarizada ou os setores mais revoltados da classe trabalhadora. O peso da participação na Geringonça continua a ser a cruz que o BE carrega. Foi com o Bloco a apoiar o PS que se mantiveram as metas orçamentais da troika e a austeridade ditada por Bruxelas. A opção pela “estabilidade” e pela “governabilidade” mostrou, aos olhos de muitos, que perante a escolha entre o sistema e os trabalhadores, o BE preferiu o sistema. Apesar de agora evitar mencionar acordos com o PS, o impulso de aproximação permanece. Basta recordar que, há pouco mais de um ano, o Bloco propôs mesmo ao PS um bloco comum contra a AD e, mais recentemente, voltou a apelar à convergência com o PS contra Carlos Moedas, como se fosse possível esquecer que foi o próprio PS, sob Medina, a conduzir Lisboa à atual crise habitacional.
A crise do Bloco de Esquerda não é apenas conjuntural — é estrutural. O partido esvazia-se entre o voto útil e a concorrência de outras forças, incapaz de afirmar um perfil político independente, consequente e combativo. A sua recusa em romper com a União Europeia, com o PS e com a lógica da concertação institucional transforma-o, cada vez mais, numa força de gestão da crise — e não de ruptura com ela.
PCP — a neutralidade cúmplice e a contenção das lutas
O PCP mantém uma retórica de oposição ao armamentismo da AD e à submissão da política externa de Portugal à União Europeia. Mas essa oposição carece de qualquer orientação consequente, resultando antes numa política passiva, nacionalista e conciliadora. Em vez de assumir uma posição internacionalista de solidariedade com o povo ucraniano, o PCP coloca-se, na prática, do lado de um imperialismo contra outro.
A sua crítica à NATO e à participação portuguesa nas guerras do Ocidente é minada pela recusa em condenar abertamente o papel imperialista da Rússia.Na guerra da Ucrânia, o PCP reduziu o conflito a um confronto entre potências, recusando-se a reconhecer o direito à autodeterminação do povo ucraniano e omitindo a natureza brutal e reacionária do regime de Putin. A mesma lógica repete-se na Palestina. O PCP prefere apelar à “paz” abstrata e condenar “atos terroristas” da resistência palestiniana, alinhando-se, ainda que indiretamente, com a narrativa do Estado de Israel — um Estado que pratica há décadas uma política de apartheid e genocídio. Esta falsa neutralidade e os apelos à paz no abstrato abandonam os povos à sua sorte, desarmam os trabalhadores portugueses, obscurece a realidade e silencia a solidariedade internacional.
No plano interno, o PCP tem reforçado o seu controlo burocrático sobre a CGTP, que continua a usar como instrumento de contenção social. A central sindical, longe de cumprir o seu papel de coordenação e impulsionamento das lutas operárias, tornou-se uma estrutura paralisante, voltada para o eleitoralismo e de gestão do descontentamento para que não surjam processos mais combativos. Greves e manifestações são convocadas de forma isolada e sem continuidade estratégica, garantindo que nunca ultrapassam os limites da pressão institucionalmente aceite. Esta política é uma forma disfarçada de colaboração de classes, que impede a unificação das lutas e desarma o movimento operário face aos ataques do capital.
Apesar de algumas sondagens indicarem que o PCP poderá ultrapassar o BE, isso não representa qualquer recuperação estrutural. No essencial, o papel do PCP continua a ser o de conter o descontentamento dentro dos limites do regime, canalizando a revolta para vias institucionais estéreis. O reformismo do PCP, mascarado de radicalismo, já não é suficiente para travar a crise de representação que o atravessa. Para quem quer transformar a sociedade pela raiz, o PCP já não representa uma alternativa — mas sim mais um pilar da ordem.
Sem alternativa no boletim, voto crítico no BE ou no PCP
Estas eleições não oferecem uma verdadeira alternativa política. Mas consideramos que, na atual situação, refugiarmo-nos na neutralidade estéril da abstenção seria equivocado. Por isso, apelamos a um voto crítico e sem ilusões no Bloco de Esquerda ou no PCP. Esta é uma posição tática, consciente das limitações da esquerda parlamentar, para afirmar, ainda que de forma parcial, uma rejeição ao centrão que nos tem governado e contrabalançar os avanços da direita mais reacionária.
No entanto, a nossa orientação de voto é inseparável da denúncia firme das direções do BE e do PCP – pela sua lógica parlamentarista, pelas ilusões que alimentam no atual regime, pelo papel que desempenham na contenção das lutas – e não constitui um apoio político a nenhum destes partidos, que não representam uma verdadeira alternativa. Mas sabemos que muitos militantes, apoiantes e simpatizantes na base destas organizações continuam a acreditar na centralidade da mobilização para alcançar mudanças estruturais na sociedade e estão conscientes dos limites da atividade parlamentar. A eles e elas dirigimos um chamado fraterno e firme: venham construir connosco a alternativa que falta.
O que é determinante para a melhoria das nossas condições de vida não se vai decidir nas urnas. Será nas ruas, nos locais de trabalho, nas escolas, nos bairros populares — onde se travam as lutas concretas em defesa dos nossos interesses. É também aí que se deve forjar a alternativa que agora estará ausente nos boletins de voto: socialista, revolucionária, internacionalista e capaz de garantir a independência política da nossa classe face aos interesses dos grandes capitalistas e das patronais.
Esta é uma tarefa que não pode ser adiada, nem substituída por manobras eleitorais ou acordos parlamentares. No dia seguinte às eleições, a luta continuará. E será nela que construiremos o futuro que merecemos. Por isso, chamamos todas as trabalhadoras e trabalhadores, jovens e setores oprimidos a conhecerem o nosso programa e a juntarem-se a nós nesta luta histórica. Construir a alternativa que falta não é fácil, mas é possível. Junta-te aos Trabalhadores Unidos e vem construí-la connosco!