Mexeu com uma, mexeu com todas

Nem uma a menos! Todas às ruas neste 25 de novembro

24 de Novembro, 2025
7 mins leitura

Todos os anos, as estatísticas confirmam aquilo que milhões de mulheres vivem no corpo:  a violência machista continua a ser uma das expressões mais brutais do sistema que nos explora. Segundo dados recentes da Organização Mundial de Saúde e de várias agências da ONU, quase uma em cada três mulheres no mundo já foi vítima de violência física ou sexual ao longo da vida. São cerca de 840 milhões de mulheres em todo o mundo, mais do que toda a população da Europa.

Em Portugal, os números confirmam o mesmo padrão. Uma análise recente sobre género e violência mostra que 46,8% das mulheres já sofreram algum tipo de violência ao longo da vida. Quase uma em cada cinco (19,7%) foi vítima de violência física e/ou sexual, muitas vezes de forma repetida. E 6,4% relatam ter sido vítimas de violência sexual. A violência na intimidade atinge 22,5% das mulheres, muito acima do que muitas vezes se quer fazer crer. Mesmo assim, apenas cerca de 20% das vítimas comunicam o que lhes aconteceu às autoridades. A maior parte fica no círculo de familiares e amigas. O que chega à polícia é só uma fração.

Mas o que chega já é dramático: até meados de novembro deste ano, a PSP e a GNR registaram mais de 25.300 ocorrências de violência doméstica; só a GNR contabilizou 10.251 crimes de violência doméstica entre 1 de janeiro e 15 de novembro, com 13 mortes (11 mulheres e dois homens). Em 2024, tinham sido 11.876 crimes e 13 mortes, o que mostra que o problema não abranda.

O Observatório de Mulheres Assassinadas da UMAR vai mais fundo: pelo menos 24 mulheres foram assassinadas em 2025 até 15 de novembro, 21 delas em contexto de violência de género. Dezasseis em relações de intimidade, cinco em contexto familiar. Para além disso, houve 50 tentativas de homicídio, grande parte tentativas de femicídio. A conclusão das investigadoras é direta: os assassinatos de mulheres pelo facto de serem mulheres continuam sem abrandar em Portugal.

Não estamos perante “casos isolados”, mas perante um padrão de controlo, agressão e assassinato, em casa e fora dela. A violência machista não é um acidente, é uma engrenagem de um sistema que considera a vida das mulheres dispensável.

Migrantes, idosas, dependentes: as mais expostas e as menos protegidas

Por trás dos números, há ainda desigualdades que se cruzam. No Gabinete de Informação e Atendimento à Vítima (GIAV), no Campus de Justiça de Lisboa, tem aumentado o número de mulheres imigrantes a denunciar serem vítimas de violência doméstica. Muitas dependem economicamente do agressor, não têm rede familiar no país, por vezes não dominam a língua nem conhecem os seus direitos, e algumas não têm ainda a sua situação regularizada. Não é raro desistirem de prestar declarações ou recuarem na denúncia por medo de perder tudo: casa, filhos, rendimentos, estabilidade mínima.

Ao mesmo tempo, a APAV revelou que, até agosto, cerca de 1600 pessoas com mais de 65 anos foram acompanhadas como vítimas de violência doméstica, 75% das quais mulheres. A violência acompanha-as até à velhice, muitas vezes exercida por maridos, filhos, familiares, em contextos de isolamento e dependência.

Quando o Estado não garante habitação, rendimentos, serviços de apoio, estruturas de acolhimento e respostas de saúde e justiça eficazes, está, na prática, a dizer a muitas mulheres: “fica onde estás, aguenta o que aguentas”.

Três quartos dos jovens não reconhecem comportamentos violentos no namoro

Se olharmos para as gerações mais novas, o cenário também é alarmante. O Estudo Nacional de Violência no Namoro 2025, da UMAR e da CIG, mostra que, entre mais de 6700 jovens:

  • 75% não consideram violência no namoro pelo menos um dos comportamentos abusivos apresentados;
  • o controlo — mexer no telemóvel, controlar amizades, impor horários, vigiar redes sociais — é o comportamento mais legitimado;
  • 66,3% dos jovens que já tiveram relações de namoro afirmam ter vivido pelo menos um comportamento de violência;
  • insultos, proibição de estar com amigos, perseguição e violação de privacidade são uma realidade quotidiana.

Ou seja: a violência está presente e, ainda por cima, normalizada. Ao mesmo tempo, sabemos que as redes sociais estão cheias de discursos que glorificam a humilhação de mulheres, a ideia de que “não se pode dizer nada por causa do feminismo”, a masculinidade construída sobre dominância e desprezo pelas mulheres. Uma parte significativa dos rapazes cresce a ouvir que o problema não é a violência, é “o exagero” de quem a denuncia.

Sem educação sexual, emocional e para a igualdade obrigatória e séria nas escolas, sem intervenção sistemática de pessoas especializadas, abrimos espaço para que estas ideias se consolidem. Isto tem consequências diretas: mais relações abusivas, mais violência sexual, mais cumplicidade entre pares com comportamentos agressivos, mais silêncio à volta das vítimas.

Violência doméstica e sexual: não é azar, é sistema

O que estes dados e realidades mostram é que a violência física contra as mulheres – em casa, nas relações, na família, na rua – não é um desvio no sistema, é um produto do sistema. Num país onde as mulheres continuam a ser maioria nos trabalhos mais mal pagos, mais precários e mais desvalorizados (cuidados, limpeza, comércio, call centers, serviços), a dependência económica é muitas vezes uma arma nas mãos dos agressores. Sem salários dignos, sem habitação acessível, sem creches e lares públicos suficientes, sem rede social, sair de uma relação violenta pode parecer impossível.

A isto junta-se o desmantelamento dos serviços públicos: um SNS sobrecarregado, onde faltam recursos para responder às vítimas de violência sexual e doméstica e persistem relatos de desrespeito pela autonomia das mulheres, incluindo violência obstétrica; uma justiça lenta e revitimizadora, que muitas vezes não protege nem repara, e deixa agressores perigosos em liberdade; uma rede de casas-abrigo ainda insuficiente, com trabalhadores e trabalhadoras exaustos e mal pagos.

A violência física contra as mulheres é, assim, reforçada por um conjunto de violências estruturais: desigualdade salarial, precariedade, cuidados não pagos, serviços públicos em rutura. O capitalismo e o patriarcado não são dois sistemas separados: alimentam-se mutuamente. As mulheres da classe trabalhadora são as que pagam o preço mais alto.

A extrema-direita: da negação do problema ao uso racista da violência

A extrema-direita tem sido o rosto político mais descarado da ofensiva contra as mulheres. Por um lado, nega a especificidade da violência de género, ridiculariza o conceito de femicídio, ataca o movimento feminista, discute se “não se fala demais” de violência doméstica. Por outro, sempre que o agressor não é português, instrumentaliza o caso para exigir mais repressão, mais racismo, mais muros – não para proteger as mulheres, mas para atacar migrantes e comunidades racializadas.

Querem que acreditemos que o machismo é um “problema de fora”, quando a esmagadora maioria dos crimes de violência doméstica, violação e assédio em Portugal é cometida por homens portugueses contra mulheres portuguesas, nas casas, empregos, escolas, hospitais de sempre.

A extrema-direita não pretende acabar com a violência machista. Pretende voltar a colocar as mulheres “no seu lugar”: dependentes, silenciosas, com menos direitos reprodutivos, menos liberdade sexual, menos voz na vida pública. O ataque à igualdade de género anda sempre de mãos dadas com o ataque à classe trabalhadora, à população migrante, às pessoas LGBTQIA+ e a todos os setores que lutam.

O que defendemos: um plano de combate à violência machista, aqui e agora

Para os Trabalhadores Unidos, combater a violência doméstica e sexual não é uma questão de “sensibilização” abstrata, é uma questão de programa e de luta concreta. Entre outras medidas, defendemos:

  • Proteção efetiva das vítimas de violência doméstica e sexual
    – Reforço e alargamento da rede de casas-abrigo e estruturas de emergência em todo o país;
    – Equipas multidisciplinares de resposta rápida, com apoio psicológico, jurídico e social continuado;
    – Medidas de proteção que garantam a segurança das mulheres e das crianças, e não a “tranquilidade” do agressor.
  • Justiça que não revitimiza
    – Secções especializadas em violência doméstica e sexual;
    – Formação obrigatória para magistrados, forças de segurança e técnicos;
    – Prazos máximos para decisões em processos de violência doméstica e crimes sexuais;
    – Fim da impunidade que banaliza o crime e descredibiliza a denúncia.
  • Educação e prevenção com meios e com continuidade
    – Educação sexual, emocional e para a igualdade em todas as escolas, com equipas especializadas;
    – Programas permanentes de prevenção da violência no namoro e da violência digital.
  • Condições materiais para romper com o agressor
    – Aumento geral de salários e combate à precariedade;
    – Igualdade salarial efetiva entre mulheres e homens;
    – Apoio específico às famílias monoparentais;
    – Socialização do trabalho doméstico e de cuidados, com investimento em creches, lares, cantinas e lavandarias públicos.
  • Saúde pública ao lado das mulheres
    – Reforço do SNS, com centros de crise para violência sexual em todos os distritos;
    – Reabertura dos serviços e urgências de Ginecologia/Obstetrícia e combate à violência obstétrica;
    – Acesso universal, seguro e gratuito ao aborto e à saúde sexual e reprodutiva.
  • Direitos para as mulheres migrantes e mais vulneráveis
    – Regularização e proteção efetiva sem medo de deportação;
    – Intérpretes e mediadoras que garantam confidencialidade e confiança;
    – Acompanhamento digno para quem decide romper com o agressor.

Nem uma a menos! Todas às ruas neste 25 de novembro

A violência machista é um problema global, mas a resposta começa aqui, nas ruas, nos locais de trabalho, nas escolas, nos bairros, nas casas onde hoje tantas mulheres têm medo. Não aceitamos que as nossas vidas sejam reduzidas a estatística, nem que a violência seja tratada como “inevitável”.

Neste 25 de novembro, o partido Trabalhadores Unidos apela à participação massiva nas mobilizações pela eliminação da violência contra as mulheres. É preciso transformar a indignação em força organizada, em grito coletivo:

Lisboa – 18h30, Intendente
Porto – 19h00, Praça da Batalha
Braga – 18h30, Arcada da Rua do Castelo

Enchamos as ruas com a nossa voz, com a nossa raiva justa, com a nossa determinação. Por todas as que foram assassinadas, por todas as que sobrevivem, por todas as que se recusam a viver com medo.

Nem uma a menos! Todas às ruas neste 25 de novembro.

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