“Rearmar a Europa” é a nova política da UE. O objetivo é investir 800 mil milhões de euros em armamento e defesa nos próximos 4 anos. Existe uma manipulação semântica deliberada na palavra “rearmar”: uma intenção calculada em semear a ilusão que a Europa, por desinvestimento, estaria “desarmada”, logo, correria riscos. A palavra-de-ordem “rearmar a Europa” foi cirurgicamente urdida para ludibriar os povos europeus e neutralizar qualquer oposição à política bélica. Os factos concretos desmentem categoricamente esta narrativa alarmista da UE.
Segundo o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), que publica, todos os anos, os dados sobre gastos militares ao redor do mundo: em 2024 houve um aumento de 9,4% face ao ano anterior, marcando o décimo ano consecutivo de aumento da despesa mundial em gastos militares. Neste período, a NATO, em seu conjunto, gastou 1 bilião e meio de euros. A Alemanha, em 2024, aumentou em 28% os seus gastos militares. Os números são irrefutáveis e evidenciam que não tem faltado dinheiro para os países investirem em armas. Pelo contrário, nunca se gastou tanto.
Contudo, para as elites imperialistas, é preciso ir mais longe, porque há toda uma indústria militar que precisa de ser alimentada e que gerará lucros astronómicos para os “senhores da guerra”. Esta política apresenta-se como uma falácia: aquilo que se anuncia como defesa da democracia é, na realidade, a imposição de um modelo de acumulação capitalista assente na indústria da guerra – um capitalismo militarizado que transforma a insegurança em fonte de lucro.
A estratégia é clara: atemorizam a sociedade europeia, incutindo a ideia de que hoje é a Ucrânia, mas amanhã poderá ser qualquer Estado-membro a sofrer ataques da Rússia. Este clima de medo fabricado serve um propósito específico: vão preparando terreno para justificar uma economia de guerra, que se fará à custa do desmantelamento, a grande velocidade, do estado social. A equação é simples e perversa: para os imperialistas, qualquer euro gasto na saúde, educação e segurança social é dinheiro que não oferece rentabilidade imediata aos grupos económicos dominantes e, por isso, representa um obstáculo à sua prioridade fundamental: a maximização do lucro através da militarização da economia europeia.
Investir em armas ou em saúde e habitação?
A narrativa da necessidade de “rearmar” a Europa em nome da “democracia” e da “paz” defendida por Úrsula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, é a cortina de fumo usada para encobrir a verdade: o aumento do investimento militar servirá apenas para garantir os interesses das elites dominantes europeias, em particular os ricos da Alemanha, França e Reino Unido. Uma política que só serve uma ínfima minoria, e que será suportada, uma vez mais, às custas dos trabalhadores – sempre os mesmos a pagar a fatura das aventuras militaristas das elites.
Numa reviravolta cínica, da falsa política “verde” da transição energética, a UE passou para a indústria da guerra que enterrará, definitivamente, as já tímidas metas que tinha traçado para a redução da emissão de gases com efeitos de estufa. A hipocrisia é gritante: enquanto pregam a sustentabilidade ambiental aos cidadãos, promovem a indústria mais poluente e destrutiva do planeta. Tudo isto, como é apanágio da União Europeia, sem qualquer legitimidade democrática, de costas voltadas para a população que vive e trabalha na Europa.
A manipulação contabilística é escandalosa: os países do sul da Europa, que durante décadas foram obrigados a cortar direitos e a cortar nas despesas da saúde e educação em nome do défice, têm agora autorização para gastarem até 1.5% do PIB em material bélico sem ser contabilizado no défice. O que era “irresponsabilidade fiscal” quando se tratava de hospitais e escolas, torna-se virtude quando se trata de comprar armas. Mas o objetivo não vai ficar pelos 2% definidos para 2024. Os Estados-membros irão ter de gastar em média até 5% do PIB, até 2030, fazendo a vontade ao magnata do caos, o presidente norte-americano Trump. Da “disciplina orçamental”, passamos para a “militarização orçamental”.
Mark Rutte, secretário-geral da NATO, num evento organizado pelo Carnegie Europe, apelou à população dos países da NATO para que digam aos seus representantes políticos que apoiam um aumento das despesas com a defesa, mesmo que isso signifique “gastar menos noutras prioridades” e foi cristalino: “Os países europeus gastam facilmente até um quarto do seu rendimento inicial em pensões, saúde e sistemas de segurança social, e nós só precisamos de uma pequena fração desse dinheiro para reforçar muito mais a defesa”. Mais explícito impossível: o Estado social é visto como um estorvo ao projeto militarista.
A lógica é grotesca: Quem precisa de hospitais, se tivermos drones modernos? Quem precisa de escolas para os seus filhos, com tanques novos em folha? Para que pensões e reformas, se podemos fabricar bombas potentes? Esta é a Europa que nos querem impor: uma fortaleza militarizada onde a segurança dos cidadãos é sacrificada em nome da “segurança nacional”. O custo da corrida às armas será pago por quem nada tem a ganhar com mais guerra. Naturalmente, não será agora que a UE estará disposta a taxar os ricos ou confiscar as fortunas milionárias protegidas nos offshores. Também não será com aumento de impostos para as grandes empresas – essas continuam protegidas e com os seus paraísos fiscais intocáveis. O armamento da Europa vai ser feito à custa do desmantelamento da saúde, da escola pública, das pensões e dos salários.
As elites europeias estão francamente animadas com a possibilidade de retomarem os seus lucros aos números pré-crise 2008/9 através do fortalecimento da indústria militar. Para elas, a guerra é um negócio lucrativo, uma oportunidade de ouro. Como sempre, não serão os seus filhos e netos que irão morrer em palcos de guerra em nome da “paz” e “democracia” – esses estudam em universidades de elite e fazem estágios em bancos de investimento, longe dos campos de batalha que financiam.
Donald Tusk, primeiro ministro polaco, fiel cão de guarda das elites alemãs, disse: “A Polónia deve procurar as possibilidades mais modernas, também relacionadas com as armas nucleares”. Estas declarações são bastante elucidativas: a “loucura” não é património exclusivo de Putin e Trump – a escalada nuclear está a contaminar toda a Europa. Tusk pretende que os EUA desloquem algumas das suas bombas nucleares para a Polónia. Ironicamente, esta narrativa belicista ajuda Putin a convencer o povo Russo da legitimidade das suas ações – numa espiral que só beneficia os fabricantes de armas e a extrema-direita que prosperam com o medo.
NATO não rima com paz
Quanto à NATO, convém desfazer ilusões: nunca foi garantia de paz, apesar da retórica que a sustenta. Desde o início foi construída para garantir, pela via da força, que os interesses das principais potências imperialistas fossem salvaguardados. Perguntem aos bósnios muçulmanos, aos afegãos ou aos palestinianos o que acham da “paz” da NATO.
O genocídio que ocorre na faixa de Gaza é o exemplo mais gritante de qual é a política de “paz” e “democracia” que a U.E. e a NATO defendem. É democracia só para os ricos e guerra a quem lhes quiser fazer frente. A bandeira da NATO está manchada com o sangue de mais de 16.000 crianças palestinianas mortas em Gaza – e este número continua a crescer enquanto a “aliança pela paz” permanece cúmplice do massacre.
Mesmo no caso ucraniano, onde supostamente defendem a “democracia”, a “ajuda” que a Europa deu à Ucrânia, para além de ter sido sempre tardia, foi também aquém do necessário e do possível. Como se isso não bastasse, para efetivamente desequilibrar a guerra em favor de Putin, limitaram também a utilização destas armas. Durante quase toda a guerra, a Ucrânia não podia atacar alvos em territórios russos. Ou seja, operações importantes como a que tivemos no dia 1 de junho, contra bases russas, que permitiram destruir 40 bombardeiros estratégicos, não eram possíveis. É como se fosse um jogo de futebol em que uma das equipas não pudesse ultrapassar o meio-campo.
A verdade é que, se hoje a Ucrânia corre o risco de perder parte do seu território, isso deve-se tanto à brutalidade de Putin como à política titubeante e hipócrita dos seus supostos aliados perante o imperialismo russo. Foi a resistência heroica das trabalhadoras e trabalhadores ucranianos que impediu a queda de Kiev, e não a “solidariedade” das potências ocidentais.
Em suma, a economia de guerra nunca servirá à larga maioria da população europeia. Esta política só interessa, no contexto da crise mundial e das disputas acirradas dos blocos imperialistas dominantes (UE, EUA, Rússia e China), para que a burguesia europeia assegure a sua quota-parte do mercado mundial. Só a dissolução da NATO poderia abrir caminhos para a paz. Nem mais um euro para a NATO! Paradoxalmente, há recursos mais do que suficientes na Europa para serem usados na verdadeira defesa da Ucrânia, para impor a recuada de Putin e garantir a recuperação da soberania e integridade territorial ucraniana. Mas, para os donos da UE, pouco importa se o povo ucraniano ficar sem uma parte do seu país. O que é determinante para a UE é engordar os lucros da indústria da guerra – a Ucrânia é apenas um pretexto conveniente para militarizar a economia europeia.
A única solução: mobilização
Esta contra-ofensiva imperialista e reacionária de perfil machista, anti-LGBT e anti-trabalhadores ainda está longe de ter terminado num triunfo destes sectores – e isso é uma oportunidade que não podemos desperdiçar.
É uma disputa em aberto. Olhemos atentamente para a Coreia do Sul, onde a tentativa do presidente Yoon Suk-yeol de impor a lei marcial foi respondida com mobilizações populares que culminaram na sua destituição. Ou para o Panamá, onde no último mês tem havido poderosas mobilizações e greves contra o Governo de Mulino, pelas suas políticas de submissão a Trump. O acordo, chamado “memorando de entendimento”, viola a soberania do Panamá ao permitir que os EUA continuem a saquear os recursos naturais e concede um tratamento preferencial aos navios comerciais e militares norte-americanos, facilitando assim a penetração militar norte-americana na região.
Estes exemplos mostram que a resistência é possível e eficaz. Nós, do TU, secção portuguesa da UIT-QI, chamamos a apoiar todas as lutas para que sejam parte de uma grande mobilização contra Trump e a extrema-direita, em defesa da Palestina e de todos os explorados do mundo – porque só a luta organizada dos trabalhadores pode travar esta máquina de guerra que se alimenta do nosso suor e do nosso sangue. Exigimos o fim imediato do plano de armamento da UE e o cancelamento do aumento do orçamento para despesas militares em Portugal.
Rejeitamos a “economia de guerra” e defendemos a inversão total das prioridades orçamentais: cada euro desviado para armas deve ser reinvestido na saúde, na educação, num verdadeiro plano de habitação pública e na valorização dos salários e pensões. Lutamos por uma Europa solidária e dos povos, livre da NATO e da submissão aos blocos imperialistas, onde o orçamento sirva os direitos sociais e ambientais, e não os lucros da indústria bélica.