Doença mental: As Desvantagens de Ser Invisível

15 de Agosto, 2023
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Doença mental: As Desvantagens de Ser Invisível

Três em cada 10 portugueses já foram diagnosticados com depressão e seis já sentiram sinais da doença em algum momento das suas vidas, são os dados de um estudo da Lundbeck Portugal, divulgado em maio de 2023. Aliás, Portugal é dos países do mundo com as maiores taxas de prevalência desta doença mental, fenómeno intensificado pela pandemia do COVID-19. Além disso, mais de metade dos portugueses diz já ter sofrido ou estar em vias de sofrer um burnout (i.e., estado de elevada tensão, stress e desgaste emocional e físico, devido a condições de trabalho desagradáveis e exaustivas), segundo o STADA Health Report 2022.

O estigma social ainda persegue a doença mental, atribui-se um rótulo negativo às pessoas que têm alguma perturbação mental: “se as pessoas não produzem, são um empecilho”. Todavia, é certo que a saúde física e a saúde mental são duas esferas fundamentais e indissociáveis e uma saúde mental debilitada é uma resposta às condições de vida adversas, portanto, é inteiramente humana e está longe de ser bizarra. Assim, importa compreender o que desencadeia este fenómeno, o que o intensifica, qual é, afinal, a raiz do problema e, acima de tudo, quais são as possíves soluções.

O contexto laboral precário enquanto incubadora da doença mental

As sucessivas crises, o aumento da precariedade e da instabilidade laboral, intensificadas pela política neo-liberal de sucessivos governos, estão associadas ao aumento dos riscos de doença mental. Além disso, a eficiência da legislação é melindrosa, em termos de medidas de saúde e segurança. Em Portugal, pouco mais de 10% das empresas possuem procedimentos para lidar com a saúde mental (i.e., recurso a Psicólogos do Trabalho, etc.) e os riscos psicossociais no trabalho não estão definidos na legislação que, embora reconhecendo a sua importância, não operacionaliza quaisquer estratégias de intervenção ou prevenção. Esta lacuna na lei serve, claramente, para permitir a impunidade da entidade patronal perante situações de assédio laboral e para a ausência de condições laborais. Apesar de – devido às traições das suas direções – o sindicalismo estar a atravessar uma profunda crise, não deixa de ser uma das ferramentas-chave utilizadas pelos trabalhadores para defenderem os seus direitos e se organizarem coletivamente.

SNS em desgaste acumulado, respostas à saúde mental ineficazes

Em Portugal, 60% das pessoas diagnosticadas não têm acesso aos cuidados de saúde mental. Nos casos em que os utentes têm de ser referenciados dos Cuidados de Saúde Primários – Centros de Saúde – para a Psiquiatria e/ou Psicologia Hospitalar, confrontam-se com tempos de espera irrisórios para a primeira consulta. Além disso, as consultas subsequentes também não acontecem na frequência aconselhada, não permitindo um acompanhamento regular e eficaz. A somar a isto, persistem grandes assimetrias regionais no acesso a cuidados públicos de saúde mental, visto que a “maioria da população reside em regiões com nível de acesso baixo ou a mais de 40 minutos de cuidados públicos”, segundo o relatório da ERS de 2015Atualmente, um doente muito prioritário, adulto, poderá esperar 97 dias por uma consulta de Psiquiatria e uma criança, 79 dias. Em relação à Psicologia, a situação de espera agrava-se. Face às dificuldades em obter cuidados no SNS, muitos procuram os serviços privados, infelizmente mais caros: uma consulta de Psiquiatria custa, na maior parte das vezes, entre 70 a 90 euros; em relação à Psicologia Clínica, os valores variam, normalmente, entre 50 a 60 euros. Obviamente, estes valores não são para todas as carteiras, portanto, é imprescindível que o SNS responda às nossas necessidades e se reinvente, tornando-se capaz de lidar com todas as diversidades e desafios, como, por exemplo, em relação à comunidade LGBT+.

É sabido que a sobrecarga de trabalho dos profissionais de saúde tem aumentado, aliando-se à desvalorização salarial, o que origina, naturalmente, a perda de profissionais do SNS. O raciocínio é simples: se queremos serviços de saúde mental eficazes, suficientes e de qualidade, é indispensável a melhoria das condições laborais dos seus profissionais.

Ainda que esteja em curso – aparentemente – a “Reforma da saúde mental” inscrita no PRR, ainda há muito a fazer, como seria de esperar, perante um SNS altamente desinvestido. Os indícios não são positivos: apesar do investimento público no SNS ter sido 2,5 vezes superior em 2022 face a 2021 e, ainda assim, insuficiente, o montante efetivamente investido de janeiro a julho de 2022 foi apenas 12% do orçamentado, com uma grande fatia deste dinheiro a ser entregue aos privados. O investimento nos serviços de saúde mental do SNS é historicamente reduzido, rondando os 5% do orçamento total para a saúde. A alocação planeada das verbas já tem levantado preocupações aos profissionais da saúde: apesar de contemplarem medidas importantes, como a criação de equipas comunitárias e a requalificação das instalações dos serviços de saúde mental, esquece-se de focalizar um dos serviços mais desgastados: as urgências psiquiátricas e as unidades de internamento de doentes psiquiátricos agudos. É fundamental que o PRR financie e auxilie a resolver, efetivamente, os problemas crónicos do SNS e que correm o risco de se agravar. É fundamental que isso de facto aconteça, em vez de se resumir a uma promessa escrita num papel esquecido no fundo da gaveta.


Em suma: o sistema capitalista é incapaz de se reformar

O ambiente moderno é totalmente diferente do ambiente ancestral, recheado de mudanças rápidas e radicais, sem que a nossa espécie tenha tido tempo para se adaptar psicologicamente. Na verdade, estamos preparados para lidar com o stress agudo, porém, vivemos sobretudo em stresscrónico: contextos laborais incertos e precários, pressões e objetivos diários a cumprir, assédio laboral por parte das chefias, trânsito, sobrecarga de trabalho doméstico, inflação, guerra, dinheiro que não chega até ao fim do mês, difícil acesso à habitação, etc., são os ingredientes do cocktailpotenciador da doença mental. Aliás, o sistema capitalista aprecia isentar-se de culpas: diz-nos que o stress e a dor psicológica que sentimos é um problema meramente individual, aliado às ideologias neoliberais que culpabilizam o indivíduo pelos seus “fracassos”. Porém, importa salientar que o sistema capitalista é o principal culpado, a maior raiz dos transtornos manifestados e, tratando-se de um problema social, para além de procurarmos cuidados individuais de saúde mental, devemos procurar resolvê-lo de forma coletiva: é importante apelar à organização das comunidades nas escolas, no local de trabalho e nas ruas, lutando contra um sistema que só gera desigualdade, pobreza, violência, opressão e que, em suma, é incapaz de se reformar.

Assim, é necessário aumentar o SMN, valorizar generalizadamente os salários, desimpedir o acesso aos serviços públicos, como aos serviços de saúde e da educação, mas também à cultura, aos espaços públicos e ao tempo livre de qualidade. É necessário investir devida e integralmente no SNS e valorizar os seus profissionais de saúde. O MAS está totalmente solidário com as lutas recentes dos profissionais deste setor e apela à união das suas lutas e a uma Greve Geral da Saúde. Se acreditas nesta luta, junta-te a nós. Junta-te ao MAS!

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