O crescente número de visitantes ao Alentejo — em particular, à região compreendida entre Setúbal e Melides — tem trazido várias preocupações às populações locais e aos especialistas que se debruçam sobre o ambiente, os resíduos e a sustentabilidade.
A região é rica em ecossistemas muito específicos e frágeis.
São vários os exemplos nefastos das políticas dos vários governos e do “sobre-turismo”. Iniciamos com uma breve observação à Serra da Arrábida e ao seu Parque Natural, situados em Setúbal, e onde nos deparamos com a primeira situação de agressão ambiental: desde 1906 que a cimenteira devasta as encostas daquela fabulosa serra, que possui vegetação de características mediterrânicas. A Secil-Outão produz cimento há 118 anos nesta unidade. A última renovação da licença de exploração foi autorizada em 2002-2004, pelo governo de Durão Barroso, por um período de 30 anos. Como se a situação não fosse suficientemente grave, recentemente a cimenteira Secil pediu autorização para mais 17,5 hectares de terreno.
Ao tentarmos fazer a travessia do Rio Sado, somos confrontados com a ausência de serviço público de transporte fluvial entre as duas margens. O governo Sócrates autorizou a privatização da travessia do Sado, entre Setúbal e Tróia, através de uma empresa do grupo Sonae: a Atlantic Ferries, que pratica preços completamente inacessíveis para a maior parte da população portuguesa.
Se um agregado familiar de quatro pessoas (com idade superior a 5 anos) pretender ir à praia, vai suportar o custo de 19,20€ (4,80€/pessoa/ viagem), para a travessia no catamaran.
Se essa deslocação implicar o uso de automóvel, os custos são bem diferentes:
-Viatura ligeira de passageiros, com condutor = 20,40€ + 3 passageiros dentro do veículo – (tarifa 1 viagem= 5,40€), perfaz a quantia 36,60€
Para os trabalhadores que necessitam fazer a travessia diária há um passe válido por 30 dias com um custo de 96,50 euros.
Chegados à margem sul do Sado encontramos a Península de Troia que pertence ao concelho de Grândola. É um território estreito e arenoso que sofre com a pressão exercida por vários empreendimentos turísticos da Sonae, do grupo Pestana, dos diferentes proprietários de Troia e Soltroia e mais recentemente pelo grupo de Sandra Ortega, herdeira da Zara.
Recorde-se que esta restinga tem suportado todo o tipo de agressão: derrube de duas torres da Torralta (no governo de Sócrates), construção de marina, construção de imóveis em pleno areal e zonas de reserva e, por último, mas não menos importante, o grupo de Sandra Ortega está a construir casas lacustres e um novo campo de golfe.
Com tantas gruas por metro quadrado, Troia já parece o Qatar.
Prosseguindo na nossa observação, passámos pela Comporta e outras aldeias até Melides, onde os autóctones já não reconhecem sons, cheiros, vizinhos e espaços. As mercearias transformaram-se em espaços gourmet onde os custos dos produtos são insuportáveis, chegando a atingir valores “pornográficos” desde o simples café até ao preço da carne e do peixe. São inatingíveis para estas populações com os seus míseros salários e reformas. Os estabelecimentos comerciais que existiam, deram lugar lojas com nomes pomposos e estrangeirados onde se vendem as “Gucci” e outras.
Estas aldeias passaram a ser descaracterizadas à medida que as elites, endinheiradas e vindas de todo o mundo, iam comprando grandes áreas de terrenos para construírem casas, piscinas e, até heliportos onde “estacionam” o seu helicóptero, sem se preocuparem com a destruição do equilíbrio ambiental.
Em consequência destas e outras aberrações, a qualidade e a escassez da água, a poluição sonora (helicópteros, motas de todo o terreno, motas de águas,…) e a poluição do ar têm sofrido danos irreparáveis. O acesso direto às praias está cada vez mais dificultado.
A transformação de Portugal num resort
Este é apenas mais um exemplo de uma situação que de Norte a Sul se vai espalhando por todo o país, uma política descontrolada de turismo que fez aumentar o preço as casas e do custo de vida, com tudo a preços para turista, inclusive os bens essenciais, e onde passar uns dias de férias no destino paradisíaco tão bem publicitado lá fora e onde vivem e trabalham, começa a ser impossível.
Estas alterações sociais e ambientais no país e na região não são acidentais, são o resultado de uma política, desenhada na União Europeia, de centrar a economia portuguesa no turismo, um fenómeno extremamente volátil e temporário – como vimos na pandemia –, investindo milhões nos privados do sector através da Turismo de Portugal em detrimento de uma política de investimento em retomar sectores produtivos e melhorar e alargar os serviços públicos de forma a criar uma economia sólida e não dependente do tempo ou das modas e condições estruturais de vida para quem trabalha, ao mesmo tempo que se reforça a sustentabilidade e a autossuficiência do país.
Estas diretivas feitas em conluio com a CTP – Confederação do Turismo de Portugal ( organismo de cúpula do associativismo empresarial do Turismo) são depois aprovadas e aplicadas quer pelos diversos governos, quer pelos municípios das regiões — mesmo aquelas com maioria da CDU.
Esta política já se mostrou desastrosa para a economia do país, para quem cá vive e para o próprio ambiente. Com os riscos que se antevêem com as alterações climáticas, torna-se cada vez mais urgente recuperar a capacidade produtiva do país, nacionalizar os setores chave da economia e planear a produção tendo em conta as necessidades dos habitantes e do ambiente.
FM