A recente reforma do pacto migratório da União Europeia no Parlamento Europeu revela uma profunda crise de direitos humanos e liberdades fundamentais, propondo regras ainda mais rígidas para a recepção e concessão de asilo a imigrantes, e a consolidação do projeto da Europa-fortaleza
As palavras de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, de que o pacto migratório “significa que os europeus decidirão quem vem para a UE e quem pode ficar”, “significa proteger quem precisa”, revelam as pretensões xenofóbicas e populistas desta reforma, que tanto agrada a extrema-direita e inclui medidas como rastreio de dados biométricos, perfil racial, verificações de saúde, identidade, segurança e avaliação de vulnerabilidade, “procedimento fronteiriços especiais” para pessoas de países como Marrocos, Tunísia ou Bangladesh, tudo isso sem nenhuma garantia de assistência jurídica aos migrantes.
Quem decide qual vida precisa ou não de asilo? Servindo a quais interesses? Quem decide é o sistema capitalista, atendendo a interesses que priorizam fronteiras e lucros em detrimento da solidariedade entre os povos e da liberdade, e no qual a livre circulação de capital contrasta com as restrições impostas à livre circulação de pessoas.
Sob o pretexto de “gestão de crise” e “segurança”, este discurso e estas políticas perpetuam a exploração e marginalização dos migrantes, que são, na verdade, vítimas das desigualdades criadas pelo próprio capitalismo, assim como as raízes profundas das migrações – as desigualdades econômicas, guerras imperialistas e crises políticas e ambientais, muitas delas por consequências diretas das iniciativas neoliberais e intervencionistas da própria UE, EUA e Reino Unido.
No ano passado, 273 mil pessoas entraram na Europa, segundo a Organização Internacional para as Migrações. Mas a crise migratória não é um fenómeno isolado ou restrito à União Europeia, é um sintoma do capitalismo global e das estruturas capitalistas que perpetuam a opressão e a exploração.
Em 2023, o mundo atingiu a maior quantidade de deslocados já registada na história, segundo a ONU: 114 milhões de pessoas foram forçadas a abandonar suas casas em decorrência de guerras como a na Ucrânia, Sudão, Mianmar e na República Democrática do Congo, além da crise humanitária do Afeganistão e de uma junção de seca, insegurança e inundações na Somália, assim como o massacre em curso na Palestina pelas mãos de Israel. Ou seja, a migração é, muitas vezes, uma questão de sobrevivência para milhões de pessoas ao redor do mundo.
Outros exemplos recentes incluem a situação no Haiti, onde instabilidade política e desastres naturais têm provocado deslocamentos massivos. Na Venezuela, a crise econômica e política leva um significativo número de cidadãos para países vizinhos. O México também tem enfrentado desafios com fluxos migratórios, tanto de cidadãos deixando o país quanto de migrantes da América Latina buscando atravessar o território mexicano para chegar aos Estados Unidos. Muitos são as trabalhadoras e trabalhadores que migram em busca de melhores condições de vida e trabalho, fugindo da pobreza e instabilidade política em seus países de origem.
Grande parte desses trabalhadores imigrantes, chegando aqui na Europa, ocupam os piores e mais precarizados postos de trabalho, com salários baixos, falta de direitos, enfrentando os desafios da ilegalidade, sofrendo ainda mais profundamente os efeitos da crise na habitação, com condições laborais desumanas, dificuldade de integração, marginalização econômica e vítimas da xenofobia.
A abordagem da UE para a migração instrumentaliza os migrantes como peões num jogo geopolítico, tratando-os como ameaças, recursos a serem explorados ou problemas a serem geridos, em vez de seres humanos com direitos e dignidade. Ao mesmo tempo em que cria divisões artificiais que colocam trabalhadores nativos contra migrantes, ambos vítimas do mesmo sistema que se utiliza de toda forma de opressão para aprofundar a exploração e manter uma reserva de mão-de-obra barata e vulnerável, nivelando por baixo as condições de vida de toda a população, rebaixando salários e retirando direitos da classe trabalhadora de conjunto.
No MAS, exigimos a legalização e integração a todos os imigrantes e um pacto migratório que promova a solidariedade internacional, reconhecendo os migrantes como parte da classe trabalhadora, com políticas que garantam a liberdade de movimento, direitos trabalhistas justos, igualdade salarial e a dignidade de todos os migrantes. Uma verdadeira solução requer uma abordagem que desafie as estruturas capitalistas, por um mundo onde as fronteiras não sejam barreiras à liberdade, mas meras linhas no mapa.