O governo da AD (PSD/CDS), com o apoio do Chega, da IL e de todas as associações patronais, está a conduzir a maior ofensiva contra os trabalhadores desde a intervenção da troika. Sob o pretexto de “modernizar” as relações de trabalho e “aumentar a competitividade”, prepara uma revisão da legislação laboral tamanho familiar, que dá mais poder ao patronato e agrava a exploração e a precarização da classe trabalhadora. Em cima da mesa está um ataque direto ao direito ao emprego, ao direito de ter uma vida fora do trabalho e à organização sindical, tornando mais fácil despedir e mais difícil lutar.
Entre as medidas concretas em discussão, para além dos ataques à parentalidade, estão mecanismos que permitem às empresas impor horários irregulares e retirar estabilidade aos trabalhadores, como o alargamento da duração dos contratos a termo, o aumento dos períodos experimentais, a facilitação dos despedimentos, a redução das indemnizações pagas aos trabalhadores, o fim do direito à defesa do trabalhador em caso de processo disciplinar para despedimento, o fim da reintegração do trabalhador em caso de despedimento ilícito — substituindo-a por uma indemnização —, o regresso do banco de horas individual, o alargamento da utilização do trabalho temporário e da externalização mesmo em funções permanentes, e o fim do direito efetivo à greve, através da imposição de serviços mínimos em todos os setores.
Paralelamente, pretende-se regulamentar as plataformas digitais em termos favoráveis ao patronato, permitindo que empresas como a Uber ou a Glovo continuem a mascarar relações de trabalho através de falsos recibos verdes e subcontratações em cadeia. Com a desculpa da “adaptação à economia digital”, o governo procura legalizar os abusos das empresas de outsourcing, das plataformas e do trabalho temporário. A normalização da chamada gig economy, uma verdadeira economia do biscate, é utilizada para destruir direitos laborais e fragmentar a classe trabalhadora em milhares de vínculos precários, isolados e descartáveis. É, na prática, institucionalizar a precariedade, abrindo caminho a um modelo de relações laborais assente na flexibilidade total, nos salários baixos e na insegurança permanente.
Para piorar, o governo usa uma manobra política cínica, mas a que quer PSD quer PS já nos habituaram: coloca em destaque as medidas mais escandalosas — como a redução do tempo de amamentação das mães ou o fim do horário flexível para os pais de filhos menores — para centrar a discussão nessas medidas e depois fazer parecer que recua com a pressão parlamentar, enquanto as restantes alterações passam com o apoio do Chega e da restante direita. Não podemos esquecer que o atual retrocesso foi preparado pelo anterior governo do PS, que manteve as normas da troika com o apoio da UGT e bloqueou todas as propostas de revogação da caducidade da contratação coletiva. Agora, a AD apenas aprofunda a ofensiva patronal.
O partido de Ventura ganha espaço mediático e político fingindo “defender as famílias e o povo”, ao mesmo tempo que viabiliza este ataque brutal aos trabalhadores. É mais uma farsa concertada entre a extrema-direita e o governo para consolidar o poder do patronato, pois mesmo travando as medidas que afetam a conciliação com a vida familiar, estas acabam por se tornar inúteis: quem é o trabalhador ou a trabalhadora que vai usufruir desses direitos se o empregador os puder despedir impunemente?
Tudo isto segue a mesma lógica de todas as reformas anteriores do PS, do PSD e da troika: flexibilizar despedimentos, desregular horários de trabalho, precarizar vínculos laborais e aumentar o medo nos locais de trabalho, de forma a que ninguém se queixe ou usufrua dos seus direitos. Ao mesmo tempo, as empresas continuarão a receber milhões em isenções da Segurança Social, e o Estado reforça os instrumentos de subvenção à contratação precária sob o disfarce de “estímulos à empregabilidade jovem”. Ou seja, pagamos com os nossos impostos os lucros das empresas que nos exploram.
Ou lutamos agora, ou é o fim dos direitos laborais
É grave que as direções da CGTP e da UGT tenham respondido a este ataque com silêncio e dispersão, limitando-se a manifestações simbólicas, apontando a greve geral como um cenário hipotético para o futuro e concentrando-se em negociações de bastidores à porta fechada. A classe trabalhadora não precisa de mesas de diálogo com quem nos quer despedir: precisa de mobilização e unidade de classe.
Como seria de esperar, a UGT centra-se na negociação, dizendo que este é o período em que governo, sindicatos e patronais devem “sentar-se e negociar”. A CGTP não se fica muito atrás: convocou uma manifestação para um sábado, sem convocar greves nem discutir com os trabalhadores a necessidade de mobilizar contra o pacote laboral. As centrais sindicais, resguardadas em comunicados de imprensa, evitam assim confrontar de forma consequente a ofensiva patronal.
Mas esta não é uma altura para comunicados nem declarações formais: é o momento decisivo para agir. Se as alterações forem aprovadas, já será tarde demais. O tempo de lutar é agora, enquanto o pacote está em discussão, enquanto o governo e o patronato ainda sentem a pressão social. Cada dia que passa sem uma resposta organizada é uma vitória para a AD e para os patrões.
Defender a legislação laboral não é apenas uma questão jurídica — é defender o direito de cada trabalhador a viver do seu trabalho com dignidade, estabilidade e direitos. Por isso, os sindicatos e os militantes de esquerda têm de exigir à CGTP e a todas as estruturas sindicais combativas que convoquem uma greve geral, preparada desde as bases: com assembleias democráticas nos locais de trabalho, plenários intersindicais e campanhas públicas de denúncia em cada setor.
De uma coisa temos a certeza absoluta: esta luta não se travará nos corredores da concertação social ou do Parlamento, mas nas ruas, nas empresas e nas greves. Só a mobilização coletiva poderá travar esta nova vaga de ataque patronal. Ou lutamos agora, enquanto há tempo, ou aceitaremos ver destruídos — em silêncio — todos os direitos que tantas gerações conquistaram com luta.