Chega, o melhor lacaio da AD

27 de Outubro, 2025
5 mins leitura

À medida que o Chega se entranha nas engrenagens do Estado, o seu papel torna-se claro: ser o novo pilar do regime. Não é por acaso que, cada vez mais, André Ventura se esforça por mostrar “sentido de Estado”: fala em “responsabilidade”, apresenta um “governo-sombra” e repete que o Chega está “pronto para governar”. Se há poucos anos fingia ser anti-sistema, hoje já tem mais dificuldade em esconder que sonha ser ministro dele. 

“Só há duas hipóteses”, disse após as legislativas, “ou não há Governo, ou há Governo com o Chega.” Para lá chegar e garantir um lugar à mesa do poder, Ventura sabe que tem de provar utilidade à classe dominante. Nessa senda, o Chega terá de deixar a fachada de partido de protesto e transformar-se num partido da ordem — ou, mais precisamente, da repressão. Já hoje, a sua função é empurrar o debate político para a direita, testar os limites do regime e naturalizar políticas que a AD executa com o verniz da moderação. No atual quadro do regime, o Chega provoca, a AD aplica. Um ladra, o outro morde.

Nos temas essenciais, não há diferença substantiva entre Ventura e Montenegro. Orçamento, Defesa, imigração, privatizações: falam a mesma língua. O primeiro exige “realismo orçamental”, o segundo fala em “responsabilidade fiscal” — e o resultado é o mesmo: cortes, repressão e transferência de riqueza para os grandes grupos económicos, com boas doses de autoritarismo à mistura. O Chega é o batedor ideológico da AD, o cão de guarda que normaliza a brutalidade. A AD precisa dele para deslocar o centro político; Ventura precisa da AD para ser reconhecido como gente séria.

O partido dos empresários e dos escândalos

Mas a “seriedade” de Ventura tem pés de barro. Por trás da pose de estadista, o Chega é uma máquina atravessada por contradições, escândalos e financiamentos duvidosos. O empresário João Maria Bravo, dono da Helibravo e da Sodarca, foi descrito pela Visão como “um dos maiores financiadores e angariadores de dinheiro para o Chega”. Em maio de 2025, foi alvo de buscas da Polícia Judiciária na operação Torre de Controlo, acusado de corrupção e de lesar o Estado em mais de cem milhões de euros.

Em 2024, uma auditoria oficial detetou “indícios de incumprimento da lei dos donativos e eventuais financiamentos proibidos” nas contas do partido. A Visão descreveu almoços de luxo organizados por Ventura e Bravo para empresários “ligados a setores importantes da economia nacional”, onde “a conversa sobre o financiamento do Chega não ficou, obviamente, fora do cardápio”. De facto, o Chega é financiado pelos mesmos grupos que lucram com o colapso do SNS, com as parcerias público-privadas, com os vistos gold e com a financeirização da habitação.

E não faltam exemplos de grandes grupos económicos que escolheram o Chega como parceiro silencioso. Em 2021, as famílias Mello (CUF, Brisa) e Champalimaud (CTT, OZ Energia) figuravam entre os donativos ao partido, de acordo com extratos da Entidade das Contas e Financiamentos Partidários. Estes são apenas alguns nomes, a que se juntam vários dirigentes com grandes negócios, nomeadamente no setor imobiliário de luxo e nos vistos gold — como expõe o jornalista Miguel Carvalho em “Por Dentro do Chega”. 

Assim, o cordão umbilical que alimenta o Chega liga-o diretamente às maiores fortunas do país, ao âmago do sistema. E um partido sustentado por capital ligado à saúde privada, à banca e à especulação imobiliária nunca combaterá a privatização dos serviços públicos nem o aumento do preço da habitação.

Os escândalos não ficam por aí. O deputado Miguel Arruda abandonou o partido após o episódio das malas furtadas no aeroporto. O ex-dirigente Nuno Pardal Ribeiro vai a julgamento por prostituição de menores. Outros militantes enfrentam processos por violência doméstica, fraude ou evasão fiscal. O partido que promete “limpar Portugal” afunda-se na lama que diz combater. É o retrato perfeito do moralismo reacionário: grita contra os corruptos enquanto se alimenta deles.

Enquanto Ventura ensaia o papel de homem de Estado, o Chega implode por dentro. Antigos dirigentes denunciam o autoritarismo e o culto da personalidade. Gabriel Mithá Ribeiro, ex-vice-presidente, descreveu o partido como “uma seita de obediência narcísica” e Ventura como “um autocrata sem escrúpulos”. A tensão entre os ex-quadros do PSD, do CDS e do PPM — que procuram respeitabilidade institucional — e a ala fascizante mais primária, que vive da raiva “anti-sistema”, volta e meia estala. Por agora, Ventura vai segurando dois projetos de partido colados pela mesma ambição: o partido dos salões, que sonha com ministérios, e o das tabernas, que sonha com milícias – ambos úteis ao regime.

O verniz berrante do regime

Com o seu discurso securitário e populista, o Chega é hoje a ponta de lança da ofensiva contra os trabalhadores. Cumpre a função de canalizar o desespero social para o terreno reacionário, transformando medo em ressentimento e precariedade em moralismo. Nas questões concretas da luta laboral, o seu silêncio é revelador. Durante a discussão da nova lei laboral — que restringe o direito à greve, facilita despedimentos e limita a ação sindical — o Chega apenas se insurgiu contra a norma sobre a amamentação, que prevê eliminar uma das horas de dispensa para mães trabalhadoras. Sobre o resto, calou-se. Um partido financiado por patrões não defende trabalhadores: protege o lucro.

O seu alvo preferido são os imigrantes — mais de 800 mil trabalhadores que sustentam setores inteiros da economia portuguesa, da construção civil à hotelaria, da agricultura intensiva aos call centers. O governo da AD segue à risca a linha da União Europeia: proclama precisar de “mão-de-obra estrangeira”, mas endurece as leis, atrasa regularizações e reforça a vigilância policial. Ventura amplifica o medo e o ódio, apontando o dedo aos mais explorados. No entanto, os dados oficiais desmentem a narrativa do medo. O Relatório Anual de Segurança Interna indica que a criminalidade geral caiu 4,6% em 2024 e a violenta foi a mais baixa da década. Mas o Chega precisa de pânicos morais para sobreviver: o racismo é o seu combustível, a mentira o seu método e o desespero o seu terreno fértil. 

Este crescimento do Chega não é um acidente nem uma anomalia portuguesa. É a expressão local de uma viragem autoritária global. O Chega não é um projeto para destruir o regime, mas para reforçá-lo com punhos de ferro. Perante o acirrar da crise que empurra para baixo a condição de vida dos trabalhadores e da população em geral, os donos disto tudo reorganizam os seus instrumentos de poder e Ventura é um deles. A democracia liberal portuguesa não está a ser derrubada pelos grandes empresários que financiam o Chega: está a ser esvaziada por dentro, com “sentido de Estado”, austeridade e racismo. 

A AD e o Chega são duas faces da mesma moeda: um governa, o outro prepara-lhe o terreno. Lutar contra a extrema-direita não é salvar o “centro democrático” nem implorar moderação a quem vive de esmagar os de baixo enquanto usa a máscara de “progressista”. É reconstruir a confiança e a força da nossa classe — entre nacionais e imigrantes, precários e efetivos, mulheres e homens — e atacar as causas que alimentam o monstro: o desemprego, as rendas, a miséria, o desmantelamento dos serviços públicos.

O Chega é o verniz berrante de um regime gasto, o ruído necessário para que a pilhagem continue em silêncio, sob uma mão mais dura. Por isso, o combate à extrema-direita não começa nas urnas nem nos debates televisivos — começa nas lutas concretas, nas greves, nas ruas, nas vozes que recusam ajoelhar. O Chega é o melhor lacaio da AD, e o único antídoto contra ambos é a organização dos de baixo. Que a raiva não se disperse — que se organize.

Ir paraTopo

Don't Miss