Por Miguel Ángel Hernández, dirigente do Partido Socialismo e Liberdade (PSL), secção da UIT-QI na Venezuela, e da UIT-QI
Tendo como pano de fundo as celebrações do Dia da Independência dos EUA, no dia 4 de Julho, e enquanto dois bombardeiros B2, semelhantes aos utilizados para bombardear o Irão, sobrevoavam Washington, o ultra-direitista Trump assinou a lei orçamental a que chamou “One Big Beautiful Bill”, que tinha sido aprovada no Senado na terça-feira anterior, e ratificada na Câmara dos Representantes na passada quinta-feira.
Trata-se de uma lei orçamental de despesas gerais, com a qual Trump aplica uma ‘motosserra’ brutal, cortando drasticamente os recursos para programas sociais importantes, como o Medicaid e Medicare, o Programa de Assistência Nutricional Suplementar (SNAP), conhecido como o programa dos ‘food stamps’ (senhas de alimentação), as universidades, bem como os recursos para a proteção ambiental. Tudo isto enquanto aumenta substancialmente os recursos para a Segurança Interna, ou seja, para a sua política anti-imigração. Os grandes vencedores são o ICE (Serviço de Imigração e Controlo Alfandegário), o Pentágono e os milionários americanos.
Benefícios para os ricos
Todos os meios de comunicação social e analistas norte-americanos concordam que as alterações ao código fiscal previstas no projeto de lei irão beneficiar particularmente os muito ricos, em detrimento dos mais pobres.
Não é por acaso que os grandes grupos económicos apoiaram o ‘grande e belo’ projeto de lei de Trump, com a Câmara de Comércio (grupo de associações empresariais e o maior grupo de ‘lóbi’ dos Estados Unidos) e a US Business Roundtable (associação de lobistas sem fins lucrativos. Ao contrário da Câmara de Comércio, cujos membros são empresas inteiras, os membros da Roundtable são exclusivamente diretores executivos/CEO’s) a aplaudiram a aprovação do projeto de lei pelo Senado na terça-feira. As empresas estão a apostar que irão beneficiar de uma legislação que tornará permanentes os benefícios fiscais da Lei de Redução de Impostos e Empregos de 2017.
Nos termos do projeto de lei orçamental aprovado no Congresso dos EUA, o rendimento líquido dos 20% dos trabalhadores com maiores rendimentos aumentaria em quase 13.000 dólares por ano, após impostos e outras transferências. Isto equivale a um aumento médio de 3% do rendimento destes sectores, de acordo com uma análise do Penn Wharton Budget Model, uma instituição que investiga questões relacionadas com o orçamento de despesas na Universidade de Columbia. Para os 0,1% dos que mais ganham, o aumento médio anual do rendimento ascenderia a mais de 290.000 dólares americanos por ano, segundo a mesma instituição académica. Isto enquanto as pessoas do grupo com rendimentos mais baixos, que ganham menos de 18.000 dólares por ano, veriam uma redução de 165 dólares nos seus rendimentos após impostos e transferências, uma vez tidos em conta os cortes na rede de segurança.
Medicaid e SNAP: milhões de pessoas ficarão sem seguro de saúde e sem comida
O projeto de lei corta 1 bilião de dólares ao programa de seguro de saúde Medicaid, que beneficia milhões de idosos, crianças e pessoas com deficiência. Estes cortes afetarão o financiamento dos hospitais, o que poderá levar a despedimentos maciços de médicos, enfermeiros, e outro pessoal técnico. As novas regras acrescentam ainda mais requisitos burocráticos e de trabalho mais rigorosos ao Medicaid e ao SNAP, o que poderá deixar milhares de beneficiários sem cobertura.
“As consequências reais destes cortes de quase 1 bilião de dólares no Medicaid – os maiores alguma vez propostos pelo Congresso – resultarão em danos irreparáveis para o nosso sistema de saúde, reduzindo o acesso aos cuidados de saúde para todos os americanos e prejudicando gravemente a capacidade dos hospitais e dos sistemas de saúde para cuidar dos nossos doentes mais vulneráveis”, afirmou Rick Pollack, diretor executivo da Associação Americana de Hospitais.
Entre as mudanças, está a adição de requisitos de trabalho para a elegibilidade ao Medicaid, pela primeira vez nos 60 anos de história do programa, bem como ao Programa de Assistência Nutricional Suplementar (SNAP), o nome formal dado ao programa das senhas de subsídio alimentar. Os beneficiários do Medicaid com idades compreendidas entre os 19 e os 64 anos devem trabalhar, frequentar a escola ou prestar serviços comunitários durante pelo menos 80 horas por mês para manterem a cobertura, um requisito que não era exigido anteriormente. Embora já exista um requisito semelhante no SNAP para adultos até aos 55 anos, este limite será agora alargado aos 65 anos.
O Gabinete de Orçamento do Congresso estimou que cerca de 12 milhões de pessoas poderiam perder o seu seguro de saúde até 2034 devido a estas medidas. No caso particular do Medicaid, os beneficiários terão de se submeter a revisões de rendimentos e de endereços de seis em seis meses, o que significaria que aqueles que não têm uma morada estável poderiam facilmente perder a sua cobertura por não receberem notificações oficiais. Por outro lado, poucas das pessoas excluídas da cobertura do Medicaid teriam acesso a um seguro de saúde baseado no emprego.
O regulamento restringe ainda o acesso ao seguro de saúde subsidiado para refugiados e requerentes de asilo. Os Estados que abrangem imigrantes não documentados também verão o seu financiamento federal reduzido de 90% para 80%, obrigando alguns deles, como a Califórnia e o Illinois, a deixar de inscrever novos beneficiários. A lei estabelece também que os Estados terão, pela primeira vez, de assumir pelo menos 5% do custo do SNAP a partir de 2028, algo que até agora era inteiramente coberto pelo governo federal. Esta exigência poderá levar muitos estados a limitar a cobertura ou mesmo a abandonar o programa por completo. Estima-se que os cortes ascendam a 230 mil milhões de dólares ao longo de uma década. O projeto de lei torna mais rigorosos os requisitos de verificação dos subsídios federais para os prémios do Affordable Care Act, o que também poderá deixar alguns americanos de rendimento médio sem seguro.
No total, o projeto de lei poderia resultar em mais 10 milhões de pessoas sem seguro até 2034, para além dos milhões que não têm seguro atualmente, de acordo com uma análise da CNN.
Cortes na educação
A lei limita e elimina alguns programas de empréstimos para estudantes universitários e aumenta os requisitos de elegibilidade para outros.
Os empréstimos Grad PLUS para cursos de pós-graduação são eliminados, o que poderá significar menos estudantes a frequentar cursos de pós-graduação. A lei também reduz os empréstimos Parent PLUS para apenas 65.000 dólares por ano por estudante, o que poderá afetar em particular as famílias negras e latinas, que recorrem frequentemente a estes empréstimos para colocar um dos seus filhos na universidade, que é extremamente cara nos Estados Unidos. Além disso, as taxas de juro mais elevadas tornam mais difícil o reembolso dos empréstimos, o que pode agravar a dívida dos estudantes.
A lei reflecte a negação das alterações climáticas
Trump prometeu reavivar a indústria de produção industrial americana, mas os analistas da energia limpa esperam que a legislação tenha na verdade o efeito contrário. A Associação Americana de Energia Limpa criticou a legislação como um “passo atrás na política energética americana”, que irá eliminar postos de trabalho e aumentar a fatura da eletricidade. “Os trabalhadores serão afectados pelo encerramento de fábricas e pela interrupção da construção”, refere um relatório publicado esta semana pelo grupo Energy Innovation. A análise prevê que a perda de postos de trabalho se prolongue por vários anos, atingindo um máximo de 900.000 em 2032, dos quais mais de 230.000 seriam postos de trabalho na indústria de fabrico industrial.
O projeto de lei elimina os incentivos fiscais para os projectos de energia eólica, solar e outras fontes de energias renováveis até 2027 e impõe requisitos muito mais rigorosos aos promotores para os poderem reivindicar. Também abre as terras e águas federais à exploração de petróleo e gás, aumentando a sua rentabilidade, ao mesmo tempo que cria novos apoios federais ao carvão.
Aumento das despesas anti-imigração
As despesas para levar a cabo a política anti-imigração de Trump aumentarão 170 mil milhões de dólares durante os próximos quatro anos, o que contrasta com os cortes na saúde, na educação e no ambiente.
Com estes recursos, o governo irá aumentar o número de agentes de imigração; o governo planeia contratar mais de 20.000 novos agentes para o ICE e para o Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP). Também construirá novos centros de detenção para migrantes, como a mais recente ‘Alligator Alcatraz’ (Alcatraz dos Crocodilos), estando previstos mais de 45 mil milhões de dólares para este efeito, incluindo a manutenção dos centros e o transporte dos deportados, e investirá em tecnologias de vigilância, incluindo a inteligência artificial. O projeto de lei prevê também mais de 46,5 mil milhões de dólares para a construção do muro fronteiriço. Tudo isto é um bom presságio para um aumento substancial das deportações.
A este respeito, o instituto de investigação conservador CATO, ligado a sectores republicanos, prevê que, quando esta lei entrar em vigor, o número de pessoas presas em centros de detenção para migrantes quadruplicará: dos actuais 50.000 para mais de 200.000 em todo o país.
Temos de continuar a mobilizar-nos contra os cortes de Trump
Embora o projeto de lei orçamental e os seus duros cortes tenham sido aprovados, ainda não está tudo dito e feito. Os trabalhadores e o povo americano mobilizar-se-ão contra os efeitos perversos desta lei. O gigante já acordou e mostrou-o com grandes mobilizações em abril com o ‘Hands Off’ (‘Tira as mãos’) e no dia ‘No Kings’ (‘Não Há Reis’) em junho, onde cerca de 6 milhões de americanos se mobilizaram em mais de 2.000 cidades pelo país todo.
Temos de continuar e aprofundar a mobilização até derrotarmos os ajustes e a ‘motosserra’ do Donald Trump.