Turquia: Vamos fazer crescer a luta pela defesa dos direitos democráticos

26 de Março, 2025
8 mins leitura

Pelo Partido da Democracia dos Trabalhadores (IDP), secção da UIT-QI na Turquia

Na manhã de 23 de março, 45 pessoas, incluindo o Presidente da Câmara de Istambul, Ekrem İmamoğlu, foram detidas por acusações de corrupção. Enquanto o mandado de prisão de Imamoğlu, decorrente da investigação de terrorismo aberta contra ele com base no “Consenso Urbano” (1), foi rejeitado, três pessoas, incluindo o presidente da Câmara de Şişli, Resul Emrah Şahan, receberam mandados de prisão sob esta acusação, e um Kayyum (administrador tutelar) foi nomeado para o município de Şişli. É evidente que todas estas acusações são fabricadas pelo poder judicial, que atua como uma espada do Palácio Presidencial, com o objetivo de criminalizar, intimidar e liquidar a oposição, em consonância com a continuidade da administração Erdoğan. Enquanto Partido da Democracia dos Trabalhadores, condenamos e rejeitamos estes ataques ao direito de voto e de eleição, à liberdade de associação e aos mais elementares direitos democráticos.

A agressão do governo ‘de um homem só’, que chegou ao ponto de prender İmamoğlu, presidente do município metropolitano de Istambul e seu principal rival nas próximas eleições presidenciais, não foi certamente um facto novo ou surpreendente. Após a pesada derrota nas eleições autárquicas, a Aliança Popular (2) retomou as suas práticas intervencionistas através dos “kayyums” (3) e iniciou políticas para recuperar a supremacia política e criminalizar a oposição. A política de tutela, iniciada contra os municípios liderados pelo Partido Popular para a Igualdade e a Democracia (DEM), foi alargada ao Partido Republicano do Povo (CHP) com o município de Esenyurt. Esta agressão continuou sob a forma de operações de corrupção nos municípios de Beşiktaş e Beykoz, e de investigações de terrorismo contra membros do conselho municipal do CHP e administradores municipais eleitos no âmbito do “Consenso Urbano”. Era evidente que todas estas operações eram preparativos para o ataque a İmamoğlu.

Finalmente, o regime de um homem lançou o seu verdadeiro ataque. Primeiro, com a anulação do diploma de İmamoğlu (4), a 18 de março, e depois com a sua detenção, juntamente com quase uma centena de outras pessoas, no âmbito de operações de corrupção e terrorismo lançadas em simultâneo. Após quatro dias de detenção, interrogatório pela polícia e pelo Ministério Público, Imamoğlu foi preso sob a acusação de corrupção, enquanto a Procuradoria Geral da República recorreu da decisão de o libertar sob a acusação de terrorismo; à data da publição deste texto, este recurso está em processo de avaliação.

Para além da operação contra İmamoğlu, sabe-se que será nomeado um tutela para intervir também no Partido Republicano do Povo (CHP), alegando irregularidades no último congresso do partido e que há planos para levar o CHP a um congresso extraordinário com a intervenção do Palácio. Em resposta a esta medida, Özgür Özel, o principal dirigente do partido, anunciou a sua decisão de levar o CHP a um congresso extraordinário no dia 6 de abril.

Estes ataques do governo de Erdoğan contra o principal partido da oposição, o Partido Republicano do Povo (CHP) e İmamoğlu, revelam a estagnação e o desespero da Aliança Popular. A Aliança Popular de Erdoğan, cujo apoio eleitoral tem vindo a enfraquecer gradualmente como resultado da devastação económica pela qual é responsável e das suas persistentes políticas opressivas e antidemocráticas, está mais uma vez a tentar manter o seu poder através da opressão, do medo e da criminalização da oposição. No entanto, estas acções que está a empreender apenas aprofundam as contradições em que se encontra. Por um lado, a agressão contra a principal oposição política – que chegou ao ponto de prender o seu, mais provável, candidato presidencial, afastá-lo da política, e nomear um fiduciário/tutelar/mandatário para a sua presidência – enfraquece ainda mais a “legitimidade das urnas”, que é a sua base de apoio. Além disso, estas medidas perturbam ainda mais a frágil estrutura económica e reduzem gradualmente a base social em que o governo se apoia. A iniciativa levada a cabo sob o nome de “Turquia sem terrorismo” está a entrar em novos impasses com a política de rotular o “Consenso Urbano” como terrorismo. O mais importante é que, desta vez, esta nova agressão do governo está a enfrentar a mobilização das massas, especialmente da juventude, nas ruas.

A juventude estudantil, que atuou imediatamente após as operações de anulação de diplomas e as detenções, também deu uma lição sobre a forma de reagir aos ataques antidemocráticos. A direção do Partido Republicano do Povo (CHP), que inicialmente parecia paralisada, e permaneceu em silêncio após a operação, apelou à ação em Saraçhane na sequência dos protestos e ações dos jovens, e da crescente pressão social. As massas populares encheram a praça de Saraçhane (praça no centro de Istambul, frente à câmara municipal) desde o primeiro dia e mobilizaram-se cada vez mais em defesa dos direitos democráticos. As manifestações de massas tiveram lugar não só na praça de Saraçhane, mas também em muitas outras praças de Istambul, Izmir, Ankara, e em todo o país. Esta mobilização do povo trabalhador foi o principal fator que destruiu a legitimidade desta ação do governo.

Embora a direção do CHP tenha convocado às ruas sob a pressão da mobilização, mostrou, como em momentos anteriores de ruptura, que tinha mais medo do poder e da mobilização das ruas e das massas do que do poder do governo. A direção do CHP fez os seus apelos à ação sob a pressão das massas, para as limitar e controlar e, na medida em que não as podia impedir, tentar transformá-las nas suas próprias manifestações e comícios. Não apelou às organizações distritais para encherem as praças, nem organizou autocarros a partir dos distritos, nem tomou qualquer iniciativa para mobilizar mais as massas. As massas encheram as praças apesar da atitude passiva, cínica e de “limitar a política às urnas” da direção do CHP.

Em resultado desta mobilização das massas, conseguiu-se que İmamoğlu fosse libertado das acusações de terrorismo e que o governo desse um passo parcial de recuo, abandonando a nomeação de tutelar para a administração do Município Metropolitano de Istambul. No entanto, İmamoğlu continua detido, por acusações de corrupção, e, como se pode ver pela objeção do Procurador a esta decisão, enquanto o atual regime continuar a existir, o regime intervencionista, através dos Kayyums, continuará a ameaçar todos os aspectos da vida, desde o Município Metropolitano de Istambul a outros municípios, desde universidades a partidos políticos.

Agora, as massas estão a discutir o que fazer a seguir, e como continuar a mobilização. A direção do CHP irá, em breve, pôr fim aos seus apelos às ações limitadas, aos comícios na Praça Saraçhane, e estará ansiosa por regressar à sua política quotidiana, limitada a “esperar pelas urnas”. No entanto, as mobilizações, que começaram com a detenção de İmamoğlu, surgiram depois em defesa dos direitos democráticos, como resultado da raiva acumulada contra os ataques opressivos do regime autoritário ‘de um homem só’. A mobilização deve continuar e generalizar-se, até à libertação de todos os presos políticos, ao fim da criminalização da oposição política, e a uma verdadeira ruptura com o regime e a política tutelar, que se estende dos municípios, às universidades e à administração do país!

Hoje, enquanto milhões de apoiantes, e não apoiantes, do CHP, revoltados com o regime autoritário ‘de um homem só’, se mobilizam, votando nas urnas das eleições primárias do partido e mostrando as suas reacções; o povo curdo, exigindo liberdade e uma paz honrosa, enche as praças, e a juventude estudantil tenta continuar e espalhar o boicote académico. Todas estas mobilizações devem ser unidas e alargadas para derrotar o regime de Erdoğan. O único ator decisivo que unirá estas diferentes dinâmicas é a classe trabalhadora, que entrará em cena “usando o seu poder de produção”. Os apelos a uma greve geral, dirigidos aos sindicatos e às organizações laborais, assumem grande significado neste contexto. Para que todas as organizações laborais, especialmente a Türk-İş (Confederação dos Sindicatos Turcos), entrem em ação, a pressão sobre a sua liderança, que tenta enterrar a cabeça na areia ou contentar-se com declarações simbólicas, deve ser duplicada ou triplicada. Neste sentido, enquanto Partido da Democracia dos Trabalhadores (IDP), continuamos a apelar à esquerda socialista, e a todas as organizações laborais, para que construam uma Aliança Laboral, que combine a luta contra os ataques antidemocráticos e as políticas de destruição económica com um plano de ação.

  • Libertar os presos políticos!
  • Fim da criminalização da oposição política!
  • Acabar com o regime intervencionista do Kayyum nos municípios, nas universidades e em todo o país!
  • A solução está na luta unida, a solução está na aliança dos trabalhadores!

(1) – Kent uzlaşısı, ou “Consenso Urbano”: é o nome dado às acções através das quais o Partido Popular para a Igualdade e a Democracia (DEM) não apresentou candidatos em alguns distritos eleitorais das províncias ocidentais, e apoiou os candidatos do Partido Republicano do Povo (CHP), partido a que pertence İmamoğlu, o detido presidente da Câmara de Istambul. A Procuradoria-Geral de Istambul, que é dependente de Erdoğan, define o “consenso urbano” como uma atividade destinada a aumentar a influência do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) nas cidades. Sob este argumento, efectua investigações e detenções por “terrorismo”. 

(2) – Cumhur İttifakı ou “Aliança Popular” é a Frente Política Eleitoral dos vários partidos políticos patronais da Turquia que apoiam a presidência de Recep Tayyip Erdoğan e o seu partido, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP). Inclui, em particular, o Partido do Movimento Nacionalista (MHP), de extrema-direita nacionalista.

(3) – Kayyum – Fiduciário/tutelar/mandatário. São administradores – tecnocratas – nomeados diretamente pelo governo (ou seja, pelo Presidente Erdoğan), pelo que não chegam ao poder através de eleições. Gerem a instituição que lhes foi atribuída em seu nome, para garantir a supervisão do governo e a continuidade do trabalho. Estes administradores podem ser nomeados para partidos políticos, municípios, sindicatos, empresas, clubes de futebol, universidades, etc. Após cada eleição local, Erdoğan nomeia administradores para os municípios do Curdistão e prende os presidentes de câmara eleitos. Há alguns anos, nomeou administradores para a Universidade Boğaziçi (uma universidade pública em Istambul). Após a tentativa de golpe militar em 2016, nomeou administradores para as empresas que financiaram a tentativa de golpe. Agora, quer nomear administradores para o CHP (partido da oposição) e para o Município Metropolitano de Istambul.

(4) – Para concorrer às eleições presidenciais, é preciso ter um diploma universitário. Com a revogação do diploma universitário de İmamoğlu, este não pode candidatar-se.

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