A crise no INEM: Negligência que serve os interesses privados

13 de Dezembro, 2024
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O colapso nos serviços de emergência do INEM, que resultou na morte de 11 pessoas no dia 4 de novembro, não é apenas uma tragédia humana. Trata-se de uma expressão da política consciente dos sucessivos Governos PS/PSD de subfinanciar o serviço público de saúde e, simultaneamente, alimentar os grandes grupos privados de saúde privados com os recursos  públicos. O Governo de Montenegro pretende acelerar o processo de privatização do SNS,  canalizando os recursos públicos  para as Misericórdias e as grandes empresas da saúde.

Este caso escancara um projeto político de precarização, subfinanciamento e privatização que vem transformando direitos básicos em mercadorias. Tudo isto se torna mais grave,por se saber que, pelo menos há 10 anos, o INEM trabalha com menos de  metade dos efetivos do que aqueles que necessita  para atender devidamente as populações. Para garantir os lucros de alguns,  comprometem  a saúde da maioria. O INEM só tem sobrevivido graças ao esforço dos seus trabalhadores que são obrigados regularmente a fazer horas extras, sendo miseravelmente pagos para isso. 

Os atrasos no atendimento das chamadas, num período em que decorriam duas greves (geral da função pública e do INEM às horas extraordinárias) deixaram a nu a brutal incompetência e negligência da ministra da saúde Ana Paula Martins e de toda a sua equipa. O governo ignorou por 20 dias os alertas dos técnicos do INEM, que, em greve, reivindicavam salários dignos e condições mínimas de trabalho. Mesmo tendo tempo para negociar ou preparar um contingente emergencial, preferiu a inação, deixando vidas à mercê de um sistema que já estava em colapso. Essa negligência não é um erro de gestão, mas uma escolha consciente: sacrificar os serviços públicos e os trabalhadores para garantir que o setor privado continue a lucrar.

A relação entre a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e Eurico Castro Alves é emblemática da promiscuidade entre interesses públicos e privados no setor da saúde em Portugal. Castro Alves, além de diretor do Departamento de Cirurgia do Hospital Santo António e suplente na administração do Hospital da Prelada – gerido pela Misericórdia do Porto –, mantém um histórico de negócios e cargos influentes na saúde privada e nos seguros de saúde. O que agrava essa situação é que tanto a Ministra da Saúde quanto a Secretária de Estado foram suas funcionárias em empresas privadas antes de assumirem os cargos públicos. 

Hoje, mesmo titulares de relevantes cargos públicos, com salários pagos a peso de ouro com o dinheiro dos contribuintes, continuam a trabalhar para os interesses do antigo patrão. Esta relação torna-se ainda mais preocupante quando o governo recorreu a Castro Alves para elaborar um “plano de emergência” para o SNS, uma medida de resposta ao colapso dos serviços públicos. Entre as ações propostas no plano, foi incluída a criação de um centro de atendimento clínico no Hospital da Prelada, com um investimento de 65 milhões de euros, transferidos diretamente para a instituição gerida pela Misericórdia do Porto, uma organização com fortes ligações ao PSD. 

Enquanto isso, hospitais públicos enfrentam uma realidade de falta de leitos, equipamentos e pessoal. Castro Alves, que já declarou publicamente sua preferência pelo financiamento do setor privado em detrimento de investimentos no SNS, é, na prática, quem orienta a resposta do governo para o desmantelamento do sistema público, consolidando um modelo que beneficia interesses empresariais enquanto agrava a crise no serviço público. Essa política reflete-se nos números. Os nossos Governos são, no quadro da UE, dos que menos investem na saúde. 

Ao mesmo tempo, milhões de euros são canalizados para Parcerias Público-Privadas e subsídios a grupos privados. A desproporção é gritante: enquanto hospitais públicos operam no limite, o setor privado expande sua participação no mercado de saúde, capturando aqueles que não conseguem esperar por atendimento. Os trabalhadores do INEM e do SNS são os mais afetados por essa política. Baixos salários, jornadas exaustivas e condições de trabalho degradantes geram uma crise permanente nos serviços públicos. 

Ainda assim, são esses trabalhadores que sustentam, com seu esforço diário, um sistema que o governo deliberadamente precariza para justificar a privatização. Este caso deixa claro que os governos, sejam do PS ou PSD, não passam de administradores do capital. Mesmo quando fingem estar ao serviço das necessidades da população, a sua prioridade é enriquecer uma minoria à custa da saúde e do bem-estar da maioria. 

Para o PSD, quanto pior funcionar o INEM e o SNS, melhor, pois ajuda a justificar a necessidade de os privados intervirem na saúde para “colmatar as insuficiências do SNS”. É óbvio que a Ministra, por muito que tente atirar a culpa para os seus subalternos, como já o fez noutras ocasiões, não tem condições  de continuar. Mas o determinante é compreender que mesmo que venha outra Ministra a política continuará a ser a mesma: desmantelar o SNS.  Diante deste cenário, não basta denunciar. É necessário mobilizar trabalhadores, utentes e toda a classe trabalhadora para resistir a este desmonte e exigir um SNS público, gratuito e de qualidade. 

É preciso unificar as lutas dos trabalhadores da saúde, mobilizar mais e melhor, cercear as lutas com a solidariedade de outros sectores profissionais também em luta por melhores condições. Só assim será possível travar este plano de destruição da saúde pública e aplicar um plano alternativo, que deve incluir o fim imediato das parcerias público-privadas na saúde; o aumento significativo do orçamento do SNS, para criação de mais leitos, contratação de profissionais e aquisição de equipamentos; e salários dignos e condições de trabalho adequadas para todos os trabalhadores do setor.

A luta pela saúde pública é a luta por dignidade, vida e justiça social. O Trabalhadores Unidos reafirma o seu compromisso com esta batalha, construindo um movimento capaz de enfrentar o projeto neoliberal dos sucessivos governos e abrir o caminho para um governo dos trabalhadores, onde a saúde não seja um negócio, mas um direito universal. 

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