No passado dia 21 de outubro, um agente da PSP assassinou brutalmente Odair Moniz na Cova da Moura, com dois tiros à queima-roupa, na sequência de uma perseguição que, segundo a polícia, teve início por este ter pisado um traço contínuo. Em primeiro lugar, expressamos as nossas condolências e solidariedade para com os familiares e amigos de Odair, assim como com a sua comunidade.
Odair Moniz era cozinheiro num restaurante em Benfica e também proprietário, em conjunto com a sua mulher, de um café no Bairro do Zambujal, onde morava. Pertencia à comissão de moradores e era tido pelos amigos e vizinhos como “um homem bondoso e trabalhador”. No entanto, logo nas primeiras horas após ter sido assassinado, circularam várias informações falsas que procuravam apresentar Odair como um criminoso que teria roubado o carro em que se deslocava – e o qual, na verdade, era seu, como imediatamente os seus familiares e amigos começaram a denunciar.
Além disso, no próprio dia, a polícia lançou um comunicado onde, para justificar o uso de arma de fogo, afirmava que Odair teria tentado resistir à detenção fazendo uso de uma arma branca, com o objetivo de dar cobertura ao que foi, na realidade, um uso desproporcional e injustificado de força por parte do agente da PSP, tendo entretanto sido já desmentido que a vítima estivesse na posse de uma faca ou que tivesse tentado agredir os polícias que o queriam prender.
Como se não bastasse, no dia seguinte à morte de Odair, outro grupo de agentes da PSP arrombou a porta da sua casa, onde vários membros da família faziam o seu luto, e agrediu duas pessoas. Ainda na mesma noite, a polícia voltou ao local, mas a presença de uma advogada nesse momento fez com que os agentes recuassem. Apesar das várias testemunhas e provas, que incluem registos gravados pelos jornalistas que lá se encontravam, a PSP veio, perante a indignação com mais este abuso de autoridade, dizer que não houve qualquer arrombamento ou entrada na casa.
Assim, a morte de Odair Moniz e os episódios que se seguiram vieram expor a facilidade com que a PSP mente para tentar encobrir o seu próprio comportamento criminoso. A verdade dos factos só veio ao de cima pela pressão pública gerada pelo descontentamento generalizado face à impunidade com que a PSP mata e mente, sobretudo quando os seus abusos são contra pessoas dos bairros e/ou racializadas. É inegável que o que condenou Odair à morte foi tratar-se de um homem negro de um bairro pobre.
Bairros levantam-se contra a violência policial racista
A morte de Odair Moniz expôs mais uma vez o racismo estrutural e o caráter repressivo das forças de segurança do Estado. Este caso, longe de ser um evento isolado, reflete uma realidade constante de abuso, violência racista e repressão nos bairros. Neste sentido, a responsabilidade pelo assassinato de Odair Moniz não é só do polícia que apertou o gatilho, mas também dos governos que têm aprofundado ainda mais a marginalização das comunidades, como reforçado o uso e abuso da violência policial.
De facto, é impossível olhar para este caso e não lembrar Danijoy Pontes, que morreu numa prisão em Lisboa de forma ainda desconhecida; ou Claudia Simões, vítima de violência policial numa paragem de autocarro e agora acusada de violência pelo tribunal, que ilibou o polícia. A violência policial é frequentemente justificada em nome de uma suposta segurança pública, mas para muitos não é mais do que uma ameaça real à sua dignidade e aos seus direitos.
Em reação à morte de Odair, às mentiras da polícia e às declarações criminosas de representantes do Chega, muitos saíram à rua não só para exigir justiça por Odair, como também para denunciar a forma de atuação recorrente da polícia nestes bairros. Começou no Bairro do Zambujal, onde vivia Odair, mas rapidamente se expandiu para outros bairros da periferia de Lisboa, todos eles vítimas regulares da violência policial e das políticas de marginalização e criminalização da pobreza.
A revolta que tomou conta das ruas, com manifestações e tumultos em diversos bairros da Grande Lisboa, expressa justamente a indignação acumulada por esta realidade. Os protestos, sobretudo liderados por jovens, são uma reação contra a inegável brutalidade e impunidade com que a polícia continuamente atua nestes bairros, assim como pela falta de perspectivas de um futuro digno, e parte da constatação de que, para o Estado, a vida de quem mora nos bairros, sobretudo das pessoas racializadas, vale menos.
Enquanto políticos, banqueiros, grandes empresários e a própria polícia saem impunes pelos seus crimes, a população dos bairros, em particular jovens negros e ciganos, pobres e imigrantes, levam com sentença de morte no meio da rua, sem direito a defesa ou julgamento. A impunidade da polícia passa uma só mensagem do Estado para estas comunidades: as suas vidas são secundárias e os seus direitos são ignoráveis.
Esta revolta é, portanto, uma resposta legítima e desesperada à vivência de um racismo institucional e estrutural que nega os direitos mais básicos a estas populações. Muito se tem falado da violência dos protestos, mas ela não é mais que a expressão de desespero de um setor cansado da constante violência perpetrada pelo Estado. Fingir ignorar essa realidade, resumindo o problema a “gangues violentos” – como fazem PSD e Chega –, serve só para deixar tudo igual ou pior.
A luta contra a repressão e o racismo é de toda a classe trabalhadora
A paz verdadeira não é a paz da submissão e do medo, mas a paz que vem de uma vida digna, justa e igual para todos. Justiça para Odair Moniz é justiça para todas as comunidades que têm sido vítimas da violência policial e da exploração capitalista. Não basta uma manifestação de solidariedade, é preciso transformar a indignação em luta organizada por um sistema que sirva aos trabalhadores, aos oprimidos e aos marginalizados – não aos poderosos e aos ricos.
Mas, para ser vitoriosa, a luta contra o racismo estrutural, a violência policial e o empobrecimento tem de ser feita a partir da unidade política e sindical da classe trabalhadora no seu conjunto e não apenas por pessoas racializadas e imigrantes. Por isso, é essencial que os sindicatos, representando a força organizada da classe trabalhadora, reconheçam que a luta contra o racismo e contra a violência policial é também uma luta de classe e a ela se juntem, inclusive agora, durante a discussão do Orçamento do Estado para 2025.
É preciso unir os sindicatos, os partidos de esquerda, os movimentos sociais, as comissões de moradores, entre outros, em torno de um plano de lutas unificado contra a marginalização dos bairros, por habitação para todos, uma rede de transportes públicos mais completa e gratuita, melhores infraestruturas e mais programas sociais para as comunidades marginalizadas.
- Sem justiça não há paz:
- Justiça para Odair Moniz e para os seus familiares
- Abaixo a violência policial racista e a repressão nos bairros
- Orçamento para combater a marginalização dos bairros, com investimento em infraestruturas, habitação digna, serviços públicos e programas sociais