Falta de cautela, falta de equipamento, falta de aviões e helicópteros de combate a incêndios à disposição das instituições públicas, falta de pessoal, falta de planeamento e preparação: estes são os crimes do governo.
O incêndio rural que deflagrou na Madeira a 14 de agosto, agora extinto, fez arder ao longo de 13 dias uma área de mais de 5.100 hectares, segundo o Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais, o equivalente a cerca de 6,5% da área total da ilha e a 14% da sua área florestal. A calamidade afetou sobretudo a costa sul, alastrando do município da Ribeira Brava aos concelhos de Câmara de Lobos, Ponta do Sol e Santana. Enquanto o incêndio deflagrava, perto de 200 pessoas tiveram de evacuar as suas causas por questões de segurança, mas a maioria dela foi depois retornando, à medida que o fogo se afastava das áreas povoadas. Houve também 5 bombeiros a precisar de assistência médica por exaustão ou ferimentos ligeiros, mas nenhum ficou gravemente ferido e todos já receberam alta.
Em comunicado, o Serviço Regional de Proteção Civil da Madeira salientou que o combate ao incêndio foi dificultado por condições meteorológicas adversas – temperaturas elevadas, vento forte e baixa humidade relativa – e que, durante esses dias, a ilha esteve sob avisos meteorológicos laranja e amarelo devido ao calor extremo. Apesar da gravidade da situação, a Proteção Civil destaca que não houve habitações queimadas, vítimas mortais ou destruição de infraestruturas essenciais. Destaca ainda a importância dos meios aéreos no combate às chamas, em particular o helicóptero H-35, que realizou um total de 327 descargas de água do início ao fim do incêndio, e os dois aviões Canadair, que nos dias 22 e 23 de agosto fizeram 26 descargas, ressalvando que a sua eficácia foi maximizada graças ao trabalho coordenado dos operacionais no terreno. No total, foram mobilizados neste período cerca de 1000 operacionais, em regime de rotatividade, e 268 veículos de apoio.
Com esta ocorrência, 2024 – que ainda está longe de terminar – ficou muito perto de ser o pior ano de que há registo no que toca a área ardida por incêndios rurais na Madeira, num total de 8.162 hectares, ultrapassado apenas pelo ano de 2010, em que arderam 8.632 hectares, situação que destruiu muita vegetação capaz de reter o solo da ilha e que resultou nesse mesmo ano em derrocadas, durante as chuvas de inverno, que mataram 51 pessoas. De facto, os incêndios florestais estão longe de ser um problema novo na região, que em 2016, por exemplo, viu 6.270 hectares e várias casas serem destruídos por um incêndio que consumiu a vegetação que envolvia a cidade do Funchal e tirou a vida a 3 pessoas. Os dados são ainda mais gritantes quando olhamos para os últimos 20 anos, que totalizam agora quase 40.500 hectares ardidos na Madeira, o equivalente a 70% da área florestal da ilha.
No entanto, uma coisa é clara: tanto o governo da Madeira, como o nacional estavam, mais uma vez, completamente impreparados para este grave desastre ecológico. O combate ao incêndio foi feito, como vem sendo habitual, graças aos esforços extraordinários da Proteção Civil, em particular os corpos de bombeiros, apesar da subestimação do incêndio por parte do governo e da sua incapacidade de tomar medidas atempadas contra o mesmo. A confusão e a incapacidade de Miguel Albuquerque e Luís Montenegro face ao incêndio mostram que se os incêndios tivessem propagado aos espaços habitacionais das pessoas – bastaria o vento estar a soprar noutra direção -, facilmente a falta de meios e de prevenção teria causada uma tragédia semelhante à de Pedrógão Grande em 2017.
Considerando os crescentes alertas sobre o aumento da temperatura e os ventos fortes, que potenciam o alastramento dos incêndios rurais, a enorme dimensão do incêndio na Madeira denuncia que, apesar de se tratar de um fenómeno recorrente e que representa um perigo cada vez maior, não foram tomadas as medidas necessárias pelas entidades competentes para aumentar a prevenção e mitigação pelos serviços florestais, nem a capacidade de resposta dos bombeiros. Falta de cautela, falta de equipamento, falta de aviões e helicópteros de combate a incêndios à disposição das instituições públicas, falta de pessoal, falta de planeamento e preparação: estes são os crimes do governo. Assim sendo, os primeiros responsáveis pela destruição da biodiversidade e por colocar milhares de pessoas em perigo durante o incêndio são os sucessivos governos, tanto regionais, como nacionais.
Além de atentarem contra a biodiversidade, destruindo flora e fauna endémica – ou seja, que existe exclusivamente nesta região -, as políticas aplicadas por estes governos constituem um verdadeiro perigo também para a população humana da Madeira, sobretudo porque a ilha é composta por 58 mil hectares de área florestal, que correspondem a mais de três quartos da sua área total. Apesar de milhares de turistas visitarem anualmente a Madeira para percorrerem a sua paisagem natural, o dinheiro gerado pelo turismo não é dedicado à floresta. Se em tempos os serviços florestais eram dos principais empregadores da região, hoje falta mão de obra para trabalhar na área, resultando no abandono das áreas florestais. Basta ver que, apesar de todos os dados sobre incêndios na Madeira, entre 2020 e 2021 o IFCN não contabilizou qualquer trabalho de limpeza e é facilmente visível a quem visita hoje a Madeira que a vegetação em torno das casas e das povoações carece de limpeza, a qual ajudaria desde logo a evitar a aproximação do fogo a zonas populacionais.
O destino das florestas queimadas da Madeira não pode ser deixado nas mãos dos senhores do turismo e dos governos que servem os seus interesses na região. Além do aumento dos meios – como aeronaves e outros equipamentos – é fundamental a contratação de mais trabalhadores florestais, com condições laborais dignas e seguras, de maneira a aumentar a capacidade de prevenção, resposta e mitigação da Proteção Civil. É necessária, mais do que nunca, a união do povo da Madeira em torno de um plano de luta para garantir a reabilitação da natureza, de maneira a prevenir derrocadas como as de 2010 no inverno e a reabilitar a flora local que, estando pouco preparada para o fogo, facilmente é substituída por plantas exóticas invasoras, assim como impedir que áreas queimadas sejam sujeitas à exploração e à pilhagem dos tubarões do turismo, em vez de serem devidamente protegidas e recuperadas. Um programa ao serviço das populações e da natureza nunca virá do governo do PSD, seja o de Miguel Albuquerque na Madeira, ou o de Luís Montenegro no continente, pelo que devemos exigir que seja elaborado sob a liderança dos sindicatos (especialmente dos sindicatos dos trabalhadores florestais e dos trabalhadores agrícolas) e das organizações ecologistas.