Brasil: Mobilização de mulheres contra projeto de lei sobre gravidez infantil

23 de Julho, 2024
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Este projeto de lei propõe a criminalização do aborto após as 22 semanas. As vítimas desse projeto de lei poderiam ser condenadas por homicídio e sentenciadas a até 20 anos de prisão, uma pena maior do que a de um estuprador.

Unidade Internacional de Trabalhadores – Quarta Internacional

A segunda quinzena de junho foi marcada por grandes mobilizações de mulheres no Brasil contra a votação urgente do projeto de lei 1904/04 (projeto de lei da gravidez infantil). Este projeto de lei, cujo autor é o deputado de extrema-direita Sóstenes Cavalcante (PL), propõe a criminalização do aborto após as 22 semanas. As vítimas desse projeto de lei poderiam ser condenadas por homicídio e sentenciadas a até 20 anos de prisão, uma pena maior do que a de um estuprador.

As mobilizações contra o projeto de lei reuniram milhares de pessoas em quase 40 cidades, em mais de 60 ações. Não é de admirar. O projeto de lei é um ataque a todas as mulheres e pessoas que carregam um filho e trouxe para as ruas milhares de pessoas indignadas com a proposta de retrocesso. Segundo as sondagens, mais de 80% da população rejeita o projeto de lei. Diante da repercussão negativa e da pressão das ruas, o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira foi obrigado a recuar, mas não arquivou o projeto, que agora pode ser reformulado com a ajuda da esposa de Bolsonaro, Michele. O movimento foi poderoso e mostrou que as mulheres estão dispostas a lutar. Foi um triunfo parcial que obrigou o projeto a não ser votado até agora. Mas é fundamental manter a mobilização até que o projeto seja arquivado de uma vez por todas.

O papel do governo de Lula

Sabemos que muitos companheiros votaram em Lula para derrotar a extrema-direita. Nós da CST também fizemos parte dos votos contra a extrema-direita de Bolsonaro, sem que isso significasse qualquer apoio político ao projeto de conciliação de classes de Lula. Um ano e meio depois, é fundamental debatermos qual tem sido a política do governo em relação às mulheres.

Desde a campanha eleitoral, Lula fez questão de afirmar seu compromisso com os evangélicos, dizendo-se contra o aborto e só se posicionou contra o projeto de lei 1904/24 após as fortes mobilizações de rua.

Na Câmara dos Deputados, o líder do governo José Guimarães (PT-CE) deixou passar a proposta do PL1904 e chegou a dizer que “a matéria não era de interesse do governo”, liberando a bancada de seu partido para votar a urgência do PL e depois o governo ainda fez um acordo para que a votação fosse secreta, permitindo assim que a urgência da votação fosse aprovada! Tudo isso como parte do acordo com a bancada evangélica.

Vale lembrar que os mesmos partidos reacionários que atacam os direitos das mulheres e da população LGBTQIA+ são os que compõem a base do governo Lula-Alckmin. O primeiro escalão de seu governo conta com União Brasil, PP, PSD, Republicanos e MDB, que juntos possuem onze ministérios e Arthur Lira foi eleito presidente da Câmara Federal com os votos do PT e o apoio de Lula.

Isto explica por que razão o governo não tomou, desde o início, uma posição firme contra o projeto de lei 1904 e se opôs repetidamente à legalização do aborto.

É por isso que defendemos a independência do movimento feminista em relação ao governo.

O radicalismo das mulheres nas ruas

As mobilizações contra o projeto de lei reuniram milhares de mulheres, sendo as maiores manifestações no Rio de Janeiro e em São Paulo, com mais de 20 mil pessoas. Esse processo de luta se deu de forma espontânea e, no início, não houve nenhum chamado da direção do movimento de mulheres, uma vez que a Frente Nacional pela Legalização do Aborto, com grande peso dos setores governistas PT/MMM, PCdoB/UBM e PSOL etc., que se reuniu dias antes da votação do projeto, não fez nenhum chamado à mobilização; ao contrário, o que prevaleceu foi o ceticismo e o consenso de que pouco poderia ser feito para enfrentar o projeto e as propostas se limitavam à pressão parlamentar.

No entanto, a realidade provou o contrário: três dias depois, houve fortes manifestações espontâneas sem qualquer apelo das principais direcções, que tiveram de se adaptar às mobilizações em curso. Famílias inteiras saíram às ruas contra o projeto de lei com cartazes onde se lia: Menina não é mãe! Estuprador não é pai!

Durante a mobilização em São Paulo, a professora Lorena, pré-candidata a vereadora pela CST, a organização da UIT-CI no Brasil, esteve presente na Avenida Paulista e, durante o seu discurso, sublinhou que a suspensão da votação urgente do projeto de lei 1904 foi conseguida porque as ruas foram ocupadas em massa.

No Rio de Janeiro, a professora Bárbara Sinedino, pré-candidata a conselheira da CST-UIT-CI durante a marcha na orla de Copacabana, enfatizou a necessidade de se manter mobilizada e organizada, a exemplo das mulheres argentinas, que permaneceram nas ruas até a legalização do aborto no país e continuam lutando contra as tentativas de Milei de retirar direitos já conquistados.

No mesmo dia, a professora Andressa Rocha, pré-candidata a vereadora da CST-UIT-CI presente no evento em Belo Horizonte, Minas Gerais, reiterou a importância histórica das mulheres à frente das principais lutas sociais e a necessidade de continuar mobilizadas nas ruas, não só até a revogação do PL 1904, mas até a legalização do aborto no Brasil.

As mulheres também demonstraram como enfrentar a extrema-direita e suas pautas conservadoras e anti-direitos nas ruas com fortes mobilizações e não com acordos de cúpula no Congresso Nacional, como aposta o governo Lula.

A dramática situação das vítimas de estupro no país.

No Brasil, há três casos em que a lei garante o aborto: gravidez resultante de estupro, feto anencefálico (sem formação cerebral) e risco de morte para a mãe. A lei não estipula a duração da gravidez para o aborto nesses casos.

No Brasil, as estatísticas mostram que mulheres de todas as idades, religiões, níveis educacionais, raças, classes sociais e estado civil fazem aborto. No entanto, as mulheres pobres e negras são as que mais sofrem com os abortos clandestinos.

A pesquisa do Intercept revela a situação dramática das meninas de 10 a 14 anos vítimas de estupro. Entre 2015 e 2020, apenas 3,9% tiveram acesso ao aborto legal. Estima-se que, neste período, mais de 130 mil raparigas tenham sido violadas, das quais 9 mil engravidaram e apenas 362 puderam fazer um aborto legal. Setenta por cento das vítimas de violação no país são raparigas e adolescentes. Por isso, o Projeto de Lei 1904 foi amplamente rejeitado, pois é uma afronta às meninas e mulheres que são obrigadas a carregar uma gravidez resultante de estupro. Portanto, lutar pelo arquivamento do Projeto de Lei da Gravidez Infantil e aprofundar o debate sobre a necessidade de lutar pela legalização do aborto livre, garantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para todas as gestantes, é lutar pela vida de mulheres e crianças.

As organizações governamentais que trabalham no movimento de mulheres dizem que não estamos a avançar para a legalização porque o Congresso é demasiado reacionário. Isso é verdade. Mas na Argentina não houve Congresso operário e popular; as mulheres, em mobilizações permanentes, conquistaram seus direitos! Esse é o exemplo que devemos seguir e lutar pelo aborto legal, seguro e garantido pelo SUS.

Por um Dia Nacional de Luta pela revogação do Projeto de Lei da Gravidez Infantil!

A partir da UIT-CI apoiamos as mobilizações das mulheres no Brasil e as propostas que a CST-ITU vem defendendo para continuar a luta pelo arquivamento do Projeto de Lei da Gravidez Infantil, que foi retirado do status de urgência devido à força das mobilizações. Mas a luta pelo arquivamento continua. E não será através de acordos para “melhorar” este projeto de lei que triunfaremos, antes pelo contrário. É por isso que, a partir da CST-UIT-QI, defendemos a continuidade das mobilizações pelo arquivamento do Projeto de Lei da Gravidez Infantil. Não podemos esperar pelo segundo semestre e não podemos confiar em Lira. A partir da CST, convocamos as Frentes pela Legalização do Aborto e as organizações feministas a organizarem uma Plenária Nacional e plenárias provinciais para avaliar as mobilizações e definir um novo calendário de lutas, que deve ser precedido de panfletagem e uma nova data para ações nacionais unificadas pelo arquivamento definitivo do PL da Gravidez Infantil.

  • Pelo arquivamento do PL 1904 (Projeto de Lei da Gravidez Infantil);
  • Defender o aborto legal, seguro e gratuito, garantido pelo SUS!
  • Fim da cultura do estupro, do sexismo e do patriarcado;
  • Dinheiro para as mulheres e não para os banqueiros; Não ao pagamento da dívida e taxação das grandes fortunas.
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