Para onde vai a direita?

9 de Abril, 2024
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Depois de conhecidos os resultados eleitorais, é no mínimo irónico que, nos 50 anos da revolução do 25 de Abril, tenhamos 50 deputados de extrema-direita no parlamento, a direita volte ao poder e a crise de regime ponha o país à beira de um pântano de ingovernabilidade. Foram 50 anos a comemorar Abril, enquanto o seu conteúdo foi sendo esvaziado e as suas conquistas se foram perdendo, até que a extrema-direita voltasse a estar com força nas instituições do estado.

O PSD, por mais que se tenha tentado mostrar um partido moderado para afastar os fantasmas do governo Passos Coelho, não conseguiu esconder a deriva à direita que tem tido nos últimos anos. Foi raro o dia em que Luís Montenegro não teve de vir a público desvalorizar ou relativizar declarações dadas por altas figuras da AD. Assistimos a Pedro Passos Coelho associar a imigração à insegurança, Paulo Núncio a querer reverter a despenalização do aborto pela via de um referendo e o ex presidente da CAP, candidato por Santarém, a negar as alterações climáticas e a justificar a criação de milícias armadas para defender dos roubos nos campos. Este é o verdadeiro PSD, do sebastianismo passista, xenófobo, que ataca os direitos dos imigrantes e das mulheres, onde existe negacionismo e, claro, onde tudo pode ser revogável, até a promessa de não formar governo com o CHEGA.

O CHEGA cresceu à custa do apodrecimento de um regime que não consegue gerar respostas para os problemas mais elementares das pessoas – como habitação, precariedade, baixos rendimentos, aumento do custo de vida ou deterioração dos serviços públicos. Não é que a extrema-direita tenha soluções para estes problemas, mas nem disso precisa, já que corre sozinha a fazer de partido de protesto e de oposição. Isto porque, à direita, o PSD lidava com a sua crise interna, enquanto à esquerda, PCP e BE, inicialmente ao lado do governo PS e agora irrelevantes para a governação, apontavam problemas meramente à maioria absoluta e sem querer ser muito críticos ao PS. Quando a esquerda parlamentar faz de guardiã do Regime e dos governos de turno, deixando o espaço de oposição completamente vazio, o voto de protesto vai parar ao mesmo sítio: à extrema direita.

A verdade é que a esquerda parlamentar inicialmente ignorou, depois fingiu não ver, e ainda hoje se recusa a combater frontalmente, e de forma consequente, a extrema-direita. Tomemos, por exemplo, um dos temas que mais preocupa a classe trabalhadora, quer pelo peso mediático que tem, quer por ter sido a ignição das últimas crises políticas no continente e na Madeira: a corrupção. Durante a geringonça, a extrema-direita tomou para si, sem qualquer concorrência, o tema da corrupção, como se deles fosse património. Não estivessem o BE e o PCP numa trégua tácita para não atacar o PS, seu companheiro “progressista” num possível futuro governo, e a oposição ao Governo podia ter sido disputada. Assim, a direita conseguiu disseminar e naturalizar uma narrativa falsa de esquerdização do governo e das instituições do regime – com o silêncio ensurdecedor do BE e do PCP, que nunca quiseram tirar o verniz de esquerda ao PS –, afirmando que vivemos governados pelo socialismo há décadas e que precisamos de fechar esse ciclo virando à direita. É notório como este discurso penetrou em largos sectores da população, especialmente da juventude, que com as dificuldades e falta de perspectiva quer efectivamente uma mudança.

A IL consolidou um eleitorado jovem, educado no empreendedorismo e na ideia da meritocracia, não só com o seu discurso sobre baixar os impostos e mais privatizações, mas sobretudo com esta bandeira reacionária do combate ao socialismo. Mas as eleições são apenas um reflexo deturpado das relações entre as classes. Nesse sentido, esta eleição não mostra direta e mecanicamente aquilo que foram as lutas mais radicalizadas dos últimos anos – como dos profissionais da educação, profissionais da saúde, funcionários judiciais e outros – ou as principais reivindicações dos trabalhadores por habitação, salário, saúde ou educação. Mostra essencialmente que a direita se radicalizou, conseguiu absorver grande parte do descontentamento social para o qual não tem qualquer solução e tudo isto à boleia de um discurso anti-corrupção hipócrita – com vários deputados, antigos e novos, que estão envolvidos em casos como fraudes, burlas, falsificação de documentos, violência doméstica, entre outros.

Para combater a extrema-direita, é preciso confrontar ideologicamente as suas propostas, denunciando o seu caráter antidemocrático e as ameaças que representam às conquistas sociais. É preciso enfrentar a sua ascensão, promovendo a mobilização dos trabalhadores, dos movimentos sociais e de todos aqueles que se opõem ao autoritarismo e à intolerância propagados pela direita radical em total unidade. Mas, acima de tudo, é fundamental que se construa uma alternativa de classe, dos trabalhadores, que não esteja comprometida nem com os patrões que financiam o CHEGA, nem com os supostos progressistas do PS e coloque em cima da mesa um governo dos e das trabalhadoras.

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