A questão da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) em Portugal tem enfrentado desafios significativos nos últimos anos, mesmo após a legalização deste procedimento até às 10 semanas de gravidez. Apesar de a legislação prever o acesso seguro e gratuito à IVG no Serviço Nacional de Saúde (SNS), depara-se com obstáculos que restringem o direito garantido por lei.
Os números revelam uma realidade alarmante: em 2022, cerca de 20% das mulheres que procuraram a IVG tiveram de esperar mais de cinco dias pela primeira consulta, o que constitui uma clara violação da lei. O acesso a este serviço essencial tem sido dificultado com atrasos na marcação de consultas e excedência do prazo legal para a realização da IVG.
O problema não se limita aos atrasos. A falta de obstetras e ginecologistas disponíveis para efetuar a IVG nos hospitais é preocupante. Apenas cerca de 13% destes especialistas prestam este serviço, enquanto mais de 80% se declaram objetores de consciência, limitando seriamente o acesso das pessoas à assistência necessária.
A disparidade entre hospitais públicos e privados é notória. Os hospitais privados têm registado um aumento de IVGs, enquanto alguns hospitais públicos enfrentam problemas estruturais, como a ausência de serviços de ginecologia e obstetrícia ou a falta de protocolos de encaminhamento das mulheres para outras unidades de saúde.
A situação é mais grave nos centros de saúde, onde nenhum realiza o procedimento e apenas alguns oferecem consultas prévias, o que revela um claro défice na prestação de cuidados nestes estabelecimentos.
Este cenário é reflexo da escassez de recursos médicos, bem como do desinteresse institucional em garantir o efetivo cumprimento da legislação. A ausência de registos adequados de objetores de consciência e a falta de transparência na divulgação de informações essenciais para as mulheres que procuram a IVG são indícios de uma estrutura negligente.
É fundamental compreender que o acesso à IVG não é apenas uma questão de escolha individual, mas um direito fundamental que tem de ser protegido e garantido pelo Estado. A incapacidade do SNS em garantir este direito põe em causa a saúde e os direitos das mulheres, nomeadamente das que se encontram em situação de maior vulnerabilidade.
O que se torna evidente é a necessidade urgente de uma ação política para fazer face a esta crise. A luta por uma intervenção voluntária da gravidez acessível e segura deve ser uma prioridade, exigindo não só mudanças nas diretrizes de saúde, mas também uma revisão profunda das estruturas institucionais que perpetuam estes obstáculos.
Garantir o direito à IVG não é apenas uma questão de acesso a serviços de saúde, é também uma batalha pela igualdade e justiça social. É essencial uma abordagem transversal que tenha em conta não só a saúde física das mulheres, mas também a sua autonomia e liberdade de escolha.
A implementação de medidas que garantam o acesso efetivo à IVG, a formação de profissionais de saúde sem objeção de consciência e a criação de protocolos claros e acessíveis para as mulheres são passos essenciais nesta jornada.
É imperativo que a classe trabalhadora se una nesta luta, porque só através da solidariedade e da ação coletiva podemos pressionar por uma mudança efetiva. Garantir o direito à IVG não pode ser uma mera promessa legal, mas uma realidade acessível a todas as mulheres, independentemente da sua situação socioeconómica ou local de residência.
A luta por uma IVG acessível e segura é uma luta pela justiça social, pela igualdade de género e pelos direitos humanos fundamentais.