Fim aos projetos de exploração de lítio!

9 de Novembro, 2023
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A investigação do Ministério Público que fez transbordar o copo do desgaste do governo, aberta em 2019, centra-se nos contratos para concessão da exploração de lítio e outros metais nas minas do Romano, em Montalegre, e do Barroso, em Boticas, com as empresas LusoRecursos e Savannah Resources, respetivamente; no projeto de criação de um consórcio nacional para produção de hidrogénio em Sines, em que estiveram envolvidas a EDP, a GALP, a REN, a Martifer e a Vestas; e de construção de um centro de dados na Zona Industrial e Logística de Sines, pela sociedade StartCampus.

Só com corrupção avançam as falsas soluções para a transição energética

As suspeitas de corrupção em torno destes projetos, em particular os que envolvem o lítio, já não deveriam ser surpresa. Basta relembrar que o já conhecido acordo de concessão de 380 milhões para a mina do Romano, aprovado por João Galamba e Matos Fernandes, concedendo direitos de exploração por 35 anos à Lusorecursos, foi realizado apesar de a empresa ter sido constituída três dias antes da assinatura do acordo, com um capital de 50 mil euros, apesar de apresentar a previsão de um investimento inicial de 650 milhões de euros.

Este acordo veio na sequência do contrato de prospeção atribuído em 2012 pelo governo PSD/CDS, onde já se previa a futura concessão de exploração de lítio em Montalegre. António Marques, “acusado de uma das maiores fraudes com fundos comunitários de que há memória no país”, antigo membro da Comissão Política Nacional do PSD, e Ricardo Pinheiro eram sócios quando ganharam direito à concessão através da empresa Lusorecursos Lda. mas, três dias antes da assinatura do contrato, Ricardo Pinheiro criou a atual Lusorecursos Portugal Lithium, e com esta ganhou a licença para exploração, sem apresentar qualquer estudo de impacto ambiental.

Já a mina do Barroso, onde a Savannah Resources, apoiada pela GALP, com quem planeia fazer uma refinaria de lítio, diz querer estabelecer o maior projeto de exploração de lítio em Portugal, conseguiu o espantoso parecer favorável da APA, apesar de estar situada em território classificado como Património Agrícola Mundial da ONU e estabelecer uma área de exploração mineira a céu aberto equivalente a 70 campos de futebol. Não por acaso o presidente da APA, Nuno Lacasta, é um dos arguidos agora investigados pelo Ministério Público.

Note-se que a Savannah foi estabelecida em 2017 para desenvolver trabalhos de prospeção, mas não possui qualquer experiência em exploração, tal como a Lusorecursos, apesar de este dever ser, supostamente, um dos critérios para atribuição da concessão. O parecer favorável da APA veio à segunda tentativa, em 2023, depois de um primeiro chumbo em 2020, apesar de a reformulação ter merecido uma chuva de pareceres negativos, na consulta pública da APA mais participada até hoje, na qual foram dados apenas 10 dias para as pessoas responderem a um estudo com 7.000 páginas, tendo a empresa tido 3 anos para o fazer e refazer, assim como protestos das populações, que há anos resistem a este projeto e ao assédio da empresa.

Por sua vez, o projeto de Sines, conhecido como H2Sines, acordado entre várias empresas, pretendia produzir um gigawatt de potência de produção de hidrogénio, que serviria de combustível à refinaria da GALP e outras indústrias, assim como para exportação. No entanto, a falta de viabilidade do projeto fez com que a EDP acabasse por anunciar a saída do projeto, em junho de 2021, seguindo-se a Galp.

Meses antes, em novembro de 2020, a revista Sábado tinha noticiado que Galamba e Pedro Siza Vieira estariam a ser investigados por suspeita de “favorecimento do consórcio EDP/GALP/REN no milionário projecto do hidrogénio verde para Sines”, que se candidatou ao estatuto de Projectos Importantes de Interesse Comum Europeu. Pouco tempo depois do anúncio de saída da EDP e da GALP do H2Sines, foi anunciado um subsídio de 30 milhões de euros, atribuído pela Comissão Europeia, para uma iniciativa da EDP com outras empresas, entre as quais a GALP, destinada a testar a viabilidade de um electrolisador de 100 megawatts na central de Sines.

O lítio não é solução para uma transição energética ambientalmente sustentável e socialmente justa

A Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso (UDCB), que tem sido uma das principais vozes na luta contra a exploração de lítio na região, vem alertando há anos para os impactos negativos da mineração de lítio na região, incluindo o consumo de água, o ruído, as alterações na paisagem e as condições do solo. Outra das denúncias recorrente deste e outros movimentos contra os projetos de mineração sempre foi a falta de transparência e de envolvimento no processo de avaliação ambiental do projeto, denunciando que todas as instituições, da APA ao Governo PS, têm estado do lado das empresas mineradoras, contra os interesses da população.

De facto, a mina do Barroso e outros projetos de mineração na região enfrentam resistência devido aos enormes impactos sociais e ambientais que podem causar, já que mineração é uma indústria que produz uma grande quantidade de resíduos e pode causar graves danos ambientais, como destruição de habitats, perda de biodiversidade, emissões de gases e partículas, poluição sonora e contaminação do ar, solo e água, colocando inclusive em risco a classificação da região como Património Agrícola Mundial. Além disso, a mineração afetará o abastecimento de água potável de grandes centros urbanos, como Braga e Porto, e, por todo o mundo, existem vários problemas quanto ao cumprimento das normas sociais e ambientais por parte das empresas mineiras.

Apesar da retórica enganadora do “desenvolvimento sustentável” e da “mineração verde”, as empresas mineiras não têm um bom desempenho em termos de responsabilidade social e ambiental, de acordo com o Índice de Exploração Mineira Responsável de 2020, ficando, mesmo aquelas com melhor avaliação, muito aquém dos seus compromissos. Nenhum plano de mitigação poderá recuperar aqueles territórios e nenhuma compensação monetária poderá estar à altura da perda irreversível que a mineração a céu aberto provocará a nível ambiental, económico e social. Assim, a luta da população de Covas do Barroso contra a exploração de lítio é parte de um debate maior sobre a sustentabilidade e justiça social na mineração e na transição energética.

O lítio é o “escolhido” para a suposta “transição energética” por representar a melhor solução de negócio. A sua escassez, transforma-o num metal valioso, permitindo um lucro muito maior às empresas que fazem a sua extracção e refinação. Aqueles que nos dizem hoje que a solução é o lítio, são os mesmos que que durante longos anos fecharam os olhos aos alertas dados pela comunidade científica sobre o aquecimento do planeta. Além disso, já estão estudadas e testadas alternativas às baterias de lítio.

De momento, a que parece ser mais eficiente e sustentável são as baterias de iões de sódio que, sendo altamente abundante e extraível da água do mar, existe numa proporção mil vezes superior ao lítio. Estas baterias são mais ecológicas, mais baratas, com maior capacidade de armazenamento, carregamento superior às atuais baterias de lítio, bem como um ciclo de vida mais longo e, no caso das desenvolvidas pela investigadora da Faculdade de Ciências do Porto, Helena Braga, com a vantagem de serem autocarregáveis .

Este é mais um exemplo claro de que a transição energética de fachada do PS nada tem a ver com a necessidade de resposta à crise climática, mas sim com o aproveitamento desta para favorecer negócios lucrativos às grandes empresas do setor energético e mineiro. De facto, só com corrupção é possível impor planos de destruição ambiental como os da exploração de lítio em Portugal. Independentemente da investigação a decorrer, deveria ser claro que estes projetos não podem avançar.

O MAS está solidário com as populações e movimentos que têm lutado contra a exploração de lítio e acompanha a exigência de cancelamento imediato de todos os projetos de mineração de lítio em Portugal, quer estejam em fase de prospecção, avaliação ou de exploração Exigimos ainda a rápida apuração de responsabilidades, condenação e confisco dos bens de todos os corruptos envolvidos nestas negociatas. Não podemos aceitar que o governo, a União Europeia e as multinacionais nos imponham o lítio como única solução para a transição energética.

É preciso lutar por uma verdadeira alternativa, um plano para uma transição energética socialmente justa e ambientalmente sustentável, ao contrário do atual, feito para estimular negociatas e acumulação de lucros para as empresas energéticas e mineiras, à custa de megaprojetos nefastos para o ambiente e para as populações. No entanto, esta luta não é exclusiva das populações diretamente afetadas. Esta é uma luta que precisa da mobilização de todos nós.

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