Com tanto pudor em favorecer a CP, o Estado sempre pagou à Fertagus as compensações. Eram compensações por quilómetro muito superiores àquilo que devia pagar à CP – que não pagava – e à Fertagus nunca falhou.
“O autocarro 742, que atravessa Lisboa de lés a lés, chega a ter 50 pessoas à espera numa só paragem”; “Na linha verde, o Metro anda sempre sobrelotado”; “Raramente funciona o ar condicionado, tanto nos autocarros, como nos comboios”; “Na linha de Sintra, as horas de ponta são horas de suplício, de sardinha em lata”; “Nos comboios de Cascais-Cais Sodré-Cascais tudo está pior”; “Numa estação central de Lisboa, como é o Cais do Sodré, o desleixo salta à vista: é a falta de asseio, são as escadas rolantes na maioria avariadas, tal como os elevadores”; “Há três ferry-boats para atravessar o Tejo: dois estão no estaleiro há anos, o outro avariou recentemente…”; “É para isto que pagamos o passe e os impostos”: Isto é o que se ouve e o que os trabalhadores constatam, a cada dia, ao se deslocarem para o trabalho.
As razões para reclamar são tantas que as Infraestruturas de Portugal (I.P.). só respondem a 6,2% das reclamações formais, segundo o Portal da Queixa. Este panorama, aliás, não se verifica apenas na zona da capital, mas em todos os centros urbanos do país e, com mais graves deficiências, nas zonas do interior. Pois é: PS e PSD são a crise que se vê; se já é assim na Saúde e na Educação, aí estão igualmente as I.P., há muito tempo, a dar nas vistas.
Segundo o “Relatório da Qualidade do Serviço CP e Satisfação do Cliente – 2022″, os constantes atrasos e supressões na CP estão, por vezes, associados a avarias nos comboios da empresa pública, que não renova a sua frota há 24 anos. Porém, por via de regra, as notícias destacam as greves como as grandes perturbadoras do serviço público de transportes. Mas não é assim. Com efeito, os sindicatos do sector até têm adotado formas de luta muito pouco radicais, comparando com o radical desleixo, o radical desrespeito para com os utentes, a radical falta de qualidade do serviço prestado – tudo por responsabilidade das Administrações e dos sucessivos governos.
Se já era assim antes da Troika e durante esse período de pesada austeridade, agora as medidas da Troika já não servem de desculpa. Os governos têm preferido a acumulação de dívidas por parte das empresas públicas de transportes, postergando sucessivamente o investimento.vOs interesses da construção civil, colados aos interesses dos partidos de governo, têm vindo a dar prioridade à rodovia em detrimento da ferrovia. Por isso, hoje temos quilómetros e quilómetros de autoestradas sem grande movimento, ao contrário da rede ferroviária com inúmeras carências e deficiências.
Na verdade, Portugal é o terceiro país da Europa que mais tem desinvestido nas ferrovias. Em 23 anos, o “alcatrão” aumentou 364% e as linhas de comboio diminuíram 18%. Entre 1995 e 2018, Portugal investiu mais do triplo em estradas do que em ferrovias: 23,4 mil milhões de euros em comparação com 7,7 mil milhões. Por outras palavras, Portugal aumentou a sua rede rodoviária em 2.378 quilómetros (346%), durante aquele período, enquanto a rede ferroviária diminuiu 18%, segundo um estudo divulgado pela Greenpeace. A ONG destaca que, desde 1995, oito linhas (num total de 460 quilómetros) foram desativadas, afetando um número estimado de 100 mil pessoas.
A falsa conversa dos governantes sobre o ambiente cai por terra perante estes factos. E como se pode aturar tanta conversa fiada, quando não há uma medida mínima para evitar o carro na cidade, as filas enormes, a poluição? : onde está o estacionamento gratuito junto às estações ferroviárias e junto dos interfaces de transportes rodoviários. Claro que sem investimento sério, tudo fica pelas palavras.
Com tanto pudor em favorecer a CP, até parece que, nas últimas décadas, os governantes portugueses e as instâncias europeias querem deixar tudo preparado para a entrada de investidores privados naquela que devia ser uma empresa pública forte num sector estratégico fundamental – os transportes. Esse pudor, todavia, já não o têm quando se trata de favorecer os privados: desde sempre o Estado pagou à Fertagus as compensações. Eram compensações por quilómetro muito superiores àquilo que devia pagar à CP – que não pagava – e à Fertagus nunca falhou.
Há um pára-arranca na vontade de fazer progredir a rede de comboios: neste momento, existem dois planos de investimento para a ferrovia: Ferrovia 2020 e o Programa Nacional de Investimentos (PNI) 2030, relativo aos Transportes e Mobilidade. Recentemente, em resultado do atraso nos prazos de execução, vários projetos incluídos no primeiro pacote de investimentos passaram para o PNI 2030.
Os trabalhadores dos transportes também querem o melhor para os utentes
No sector dos transportes várias lutas se têm desenrolado, nomeadamente algumas greves por aumentos salariais e melhores condições de trabalho. Mas não venham dizer que os trabalhadores do sector querem este mundo e o outro. Recentemente, uma greve anunciada pretendia alcançar um aumento de 2%, um mínimo de 90€ para cada trabalhador, agregando estas modestas reivindicações a outros benefícios que compensem os horários sempre diferentes. Uma das últimas greves na CP era a greve a partir da sexta hora. Estes trabalhadores lutam contra a normalização do trabalho extraordinário, motivado pela falta de trabalhadores para garantir o serviço de passageiros. Aliás, nos comboios, querem as Administrações reduzir apenas ao maquinista a presença de funcionários nas composições – o que é também contestado pelos trabalhadores por razões de segurança dos próprios passageiros. Defendemos, pois, tal como os sindicatos do sector de transportes, que esse é um setor estratégico que tem de estar sob gestão pública e sob controlo dos próprios trabalhadores, tal como continuaremos a defender a ampliação e gratuitidade da rede de transportes públicos, com especial reforço da ferrovia.