Não é novidade para ninguém o atual estado da habitação em Portugal. Para os 58,4% da população que paga renda ou uma prestação de casa, as manchetes sobre os aumentos dos juros e das rendas só confirmam aquilo que já sentem na pele diariamente.
Os preços do m², quer sejam para aluguer ou compra, têm disparado, batendo recordes todos os anos. Boas notícias para quem vive da especulação imobiliária, mas um verdadeiro desastre para todos os restantes 99%.
Se, por um lado, as taxas de juro dos créditos à habitação começaram a subir há cerca de um ano (ver página 12), por outro os preços das casas e das rendas já estavam num acentuado crescimento há mais de 10 anos. O estado atual da crise da habitação não aparece do nada: é o resultado de uma política consciente levada a cabo pelos últimos governos PS e PSD.
Algumas das medidas que ajudaram a deformar de tal forma o mercado da habitação vieram do governo PSD/CDS de Passos Coelho e Paulo Portas. Falamos, por exemplo, dos famosos vistos gold que, para “atrair o investimento estrangeiro”, marginalizaram as pessoas que realmente trabalhavam em Portugal, assim como da chamada “Lei Cristas”, que desregulou o mercado, retirando direitos aos inquilinos e facilitando os despejos através de um balcão criado para esse feito.
O governo PS, na altura com o apoio de PCP e BE, não reverteu estas leis. Pelo contrário, surfou o boom do turismo e acompanhou sorridente os efeitos nefastos desta política nas nossas cidades. À boleia dos vistos gold e da Lei Cristas, milhares de pessoas foram despejadas das suas casas ou assediadas pelos senhorios, que compravam imóveis para a especulação ou para os converter em Alojamentos Locais (AL).
Assim, os AL multiplicaram-se nos centros e as pessoas que lá moravam foram empurradas para mais longe. Ao mesmo tempo, os apartamentos que se mantiveram para arrendar aproveitaram a Lei Cristas para, a cada ano, aumentar descontroladamente os preços das rendas.
A aplicação destas medidas levou a uma reconfiguração total das cidades, viradas exclusivamente para o turismo e jogos de especulação. As cidades ganharam uma nova camada de tinta, mas apenas para esconder dos turistas a pobreza crescente em que vive quem cá mora.
Propostas do Governo e da Oposição não resolvem a crise da habitação
António Costa apresentou este ano o programa “Mais Habitação”, ao bom estilo que Costa já nos habituou, isto é, de forma a parecer que tem soluções para os problemas quando, na realidade, apresenta o mesmo projeto que tem vindo a ser aplicado há décadas.
O Programa Mais Habitação começa logo a partir de uma premissa errada: a de que Portugal vive numa escassez de casas. Na realidade, temos 1,8 milhões de habitações a mais; só em Lisboa são 47 mil casas vazias. Assim, o programa é construído à volta de isenções fiscais e subsídios. Não impõe reais limitações aos aumentos dos preços nem limita as taxas de juro cobradas pelos bancos. Alguns inquilinos saem até mais prejudicados com este programa, que promete facilitar ainda mais os despejos.
O Programa tinha também propostas que pareciam ir ao encontro de resolver o excesso de casas vazias neste período de crise generalizada, mas estas não passavam de chavões para dar uns ares de “esquerda”, sem qualquer expectativa de serem aplicadas na realidade. Marcelo confirmou isso mesmo na carta que enviou ao parlamento dizendo que “O arrendamento forçado fica tão limitado e moroso que aparece como emblema meramente simbólico”.Mas não foi esse o motivo que levou Marcelo a vetar este programa. Para o presidente e a restante direita, a solução não passa pelo Estado – a não ser que seja para subsidiar os privados – mas sim por deixar o mercado resolver por si o problema.
Veja-se a Iniciativa Liberal, que apresentou um programa alternativo que, no fundo, se resume a uma descida generalizada de impostos. Para a direita ultra-liberal, os AL e a especulação imobiliária não são parte do problema, tampouco a quantidade de casas vazias no país. Pelo contrário, a IL só está preocupada em garantir que o mercado da habitação seja o mais lucrativo possível, tratando as casas como ativos financeiros e não como um direito universal. Querem deixar a mão invisível do mercado funcionar, mas foi ela, em conjunto com as mãos bem visíveis dos últimos governos, que criou esta crise.
À esquerda, as propostas são muito tímidas. O PCP não tenta realmente solucionar a crise que se vive já hoje. No encerramento da festa do Avante, Paulo Raimundo apelou a uma “limitação dos aumentos das rendas”, mas as rendas já estão demasiado altas, pelo que permitir continuar a aumentar – ainda que a uma taxa baixa – é continuar a agravar o problema. Já o Bloco avança com uma proposta de tetos máximos às rendas, mas não apresenta propostas para a quantidade de casas vazias que existem, nem para reverter a fraca oferta de habitação pública. Como vem sendo sua prática, a esquerda parlamentar não aspira a mais do que a conseguir colocar-se numa posição favorável a uma nova Geringonça, abdicando de lutar por uma verdadeira alternativa ao projeto neoliberal do PS.
Queremos casas dignas e rendas acessíveis
O governo tem de assumir a gravidade da situação e apresentar uma mudança total de paradigma. O que impede o acesso a casas dignas e rendas acessíveis são as escolhas políticas que têm sido feitas, sempre em benefício dos grandes proprietários e da banca. É necessária uma força organizada que conteste essas escolhas e que coloque em marcha um projeto centrado nas pessoas e na defesa do direito à habitação.
Por isso, o MAS defende o controlo dos preços das rendas e das taxas de juro, assim como a proibição dos despejos, medidas que devem ser ainda acompanhadas pela criação de um imposto extra sobre os imóveis inabitados e pelo fim da isenção de IMI para o s imóveis da banca. Além disso, é essencial a ampliação do nosso parque público habitacional, não só através da reabilitação de edifícios do estado, como também da nacionalização de imóveis devolutos em zonas de pressão urbanística.