Portugal em chamas: os fogos não são uma fatalidade, são um crime social

20 de Agosto, 2025
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Todos os verões voltamos a viver a mesma tragédia: milhares de hectares de floresta e aldeias destruídos pelo fogo. Ouvimos as mesmas promessas dos governos e vemos repetir-se as mesmas imagens. Mas nada muda de fundo. Não é azar, não é “fado português”: é o resultado de um modelo económico que entrega a floresta a grandes grupos privados e deixa as populações sem defesa. Há responsáveis claros e interesses económicos que lucram com este modelo que transforma a floresta numa bomba-relógio.

Nos últimos 16 dias, Portugal viveu uma onda de fogos de grandes dimensões, sucessivos e devastadores. Já arderam mais de 216 mil hectares, o que significa mais de 2% do território nacional. É quase o mesmo que ardeu em 2017 até esta altura do verão, e todos sabemos o que 2017 significou em tragédia e mortes. Dizem-nos que não é “tão catastrófico” como nesse ano. Mas como pode não ser catastrófico quando centenas de famílias perderam as suas casas, milhares de pessoas foram evacuadas, os bombeiros continuam sem meios e o país arde de norte a sul?

Milhares de bombeiros do Norte e Centro do país acumulam três semanas seguidas de combate sem descanso adequado, exaustos e mal pagos. Técnicas modernas de prevenção e de combate, como o fogo técnico ou o fogo de supressão, continuam a ser subaproveitadas, os meios aéreos estão sempre avariados, há falta de coordenação e as populações ficam muitas vezes abandonadas a defender as suas casas com os seus próprios meios. 

O problema é estrutural

Os fogos não se combatem com discursos inflamados de ocasião nem com ministros em visitas para “aprender” com a tragédia. A verdade é que o problema é estrutural. 

A floresta portuguesa, 84% privada, está transformada num rastilho pronto a arder, fruto da monocultura em massa do eucalipto e pinheiro bravo, imposta pela indústria da pasta de papel e da celulose, que lucra com cada hectare plantado sem pensar na segurança das populações. São meia dúzia de grandes grupos privados que enchem os bolsos à custa da insegurança do povo. Se a floresta portuguesa fosse diversificada, com carvalhos, sobreiros e outras espécies, o risco de grandes incêndios seria muito menor. Mas isso não interessa a quem só vê o lucro rápido.

Ao mesmo tempo, o interior foi abandonado: fecharam serviços públicos, não há empregos dignos nem uma política que valorize quem vive e trabalha no campo, deixando grandes áreas desertificadas, sem ordenamento, sem limpeza, sem responsabilidade. 

Depois de um incêndio, multiplicam-se os negócios: terrenos vendidos a preço de saldo, madeira queimada que ainda rende lucros, projetos imobiliários e turísticos que aparecem em áreas que antes eram protegidas. Não é por acaso que muitos falam de interesses por trás dos fogos. Mesmo que nem sempre se consiga provar cada caso, o que é certo é que há setores económicos que beneficiam diretamente com esta destruição.

No meio disto, os bombeiros, aqueles que estão na linha da frente a salvar vidas,  continuam mal pagos, sem condições e tratados como descartáveis, apesar de todos os anos arriscarem a vida por nós.

A resposta do Governo: desculpas, silêncio e encobrimento

Perante esta tragédia, a resposta do Governo não poderia ser mais vergonhosa. A ministra da Administração Interna, ao lado de Luís Montenegro, afirmou que “não faltam meios aéreos” e que “não ajuda saber quantos temos”. Confessou mesmo que não domina o tema, como se fosse aceitável que uma ministra responsável por proteger o país se coloque ao nível da “maioria dos cidadãos”. O primeiro-ministro só cancelou as férias quando a área ardida já era seis vezes superior à do ano anterior. E o Presidente da República, em vez de apontar responsabilidades, correu em socorro do Governo, classificando os incêndios como “fenómenos de natureza excecional” e insistindo que não se pode comparar com 2017.

O Governo diz estar a acompanhar “de forma discreta”. Em linguagem clara, significa que não assume responsabilidades, não dá explicações públicas e deixa o país entregue às chamas. Montenegro não fala, não aparece, não se compromete. No meio do desastre, o primeiro-ministro encontra tempo para falar de imigração, mas não para apresentar soluções de fundo para o maior problema social e ambiental do verão português.

Todos os anos limitam-se a apontar o dedo ao “incendiário isolado” e a prometer mão dura. Mas esta conversa serve apenas para esconder as verdadeiras causas: a floresta entregue ao mercado, a falta de prevenção, o abandono do interior e o desprezo pelos bombeiros, que continuam mal pagos e sem meios. É mais fácil culpar indivíduos do que enfrentar os grandes grupos económicos.

As medidas que precisamos

Esta realidade mostra que os fogos não são uma fatalidade nem uma maldição da natureza. São o resultado de um modelo económico que põe os lucros acima das pessoas e da vida. São décadas de governos, PS e PSD que entregaram a floresta ao mercado e ignoraram a prevenção. Todos eles têm responsabilidade na tragédia. 

Não basta acompanhar discretamente, como diz o Governo. É preciso uma mudança profunda. É urgente reforçar os bombeiros, garantindo salários dignos, carreiras estáveis e meios adequados para quem está na linha da frente. O ordenamento florestal tem de ser levado a sério, substituindo progressivamente as monoculturas de eucalipto por espécies autóctones resistentes ao fogo. Para acabar com o modelo que transforma Portugal num barril de pólvora, impõe-se a nacionalização da indústria da celulose, sob controlo dos trabalhadores e ao serviço do país. É também necessário pôr fim à especulação com terrenos ardidos, proibindo legalmente as vendas e negócios em áreas queimadas durante anos, de modo a travar os abutres que lucram com a destruição. Por fim, é preciso investir a sério no interior, criando emprego, serviços públicos e condições de vida dignas que fixem populações e impeçam o abandono.

Não podemos aceitar que a resposta fique nas mãos de quem desvaloriza a gravidade da situação e age como se o problema não existisse. Exigimos a demissão imediata da ministra da Administração Interna, símbolo da irresponsabilidade e da recusa em enfrentar a crise com seriedade.

Por isso, não basta indignarmo-nos em agosto e esquecer em setembro. Precisamos de uma saída que rompa com este modelo, que ponha a vida e o ambiente à frente dos lucros privados. O que estamos a viver não é um “fenómeno excecional”, ano após ano, a floresta arde, os trabalhadores arriscam a vida sem condições, as populações perdem tudo, e os patrões da celulose e os especuladores continuam a enriquecer.

Só uma rutura com este modelo poderá salvar o país da repetição desta tragédia. A nacionalização da celulose, o ordenamento democrático da floresta, o investimento no interior e a valorização dos bombeiros são medidas urgentes e inadiáveis. Os fogos não são um destino inevitável: são um crime social do capitalismo.

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