Sindicato dos Trabalhadores de Call-Center

“Trabalho XXI”: O Governo declarou guerra aos trabalhadores e a CGTP tem o dever de responder à altura

29 de Julho, 2025
6 mins leitura

Nuno Geraldes, Dirigente sindical do STCC (Sindicato dos Trabalhadores de Call Center)

O Governo de Luís Montenegro apresentou ao país a proposta “Trabalho XXI”, um documento de 59 páginas que representa a mais ampla ofensiva contra os direitos laborais desde a troika. Ao alterar 110 artigos do Código do Trabalho e mexer em nove diplomas complementares, o Governo da AD promove uma remodelação brutal das relações laborais em favor do patronato e contra os trabalhadores, os sindicatos e a própria democracia no local de trabalho.

Chamam-lhe “modernização”, mas o que está em marcha é uma tentativa de regressar ao tempo do chicote, do contrato a prazo eterno e da greve domesticada. E a resposta do movimento sindical não pode ser tímida, burocrática, nem adiada. A CGTP-IN tem o dever histórico de levantar-se com coragem, mobilizar, convocar uma Greve Geral e organizar uma frente única sindical para parar esta ofensiva.

O que está em jogo?

A proposta do Governo contém medidas gravíssimas, das quais se destacam:

-Alargamento dos serviços mínimos em caso de greve: o Governo pretende estender os serviços mínimos a mais setores, como creches, lares, apoio a pessoas com deficiência, segurança privada e abastecimento alimentar, e até definir previamente percentagens mínimas de funcionamento. Na prática, isto significa reduzir a força de uma greve e transformar este direito num ritual inofensivo;

-Regresso do banco de horas individual: Cada trabalhador poderá ser forçado a trabalhar mais horas por semana para depois compensar com folgas quando a empresa quiser. É uma medida que aumenta a exploração e destrói o horário regular, tornando a vida pessoal e familiar imprevisível;

-Contratos a prazo mais longos: Os contratos a termo certo passam de 2 para 3 anos, e os incertos de 4 para 5. Isto prolonga a precariedade e a insegurança de quem trabalha sem saber se terá emprego no mês seguinte;

-Fim das restrições ao outsourcing: O Governo quer permitir que empresas que tenham despedido trabalhadores possam contratar imediatamente prestadores de serviços. Isto incentiva o despedimento e a subcontratação como forma de cortar salários e direitos;

-“Compra” de dias de férias: Os trabalhadores poderão faltar dois dias extra antes ou depois das férias, mas sem direito a salário nesses dias. O que parece flexibilidade é, na prática, uma nova forma de reduzir o rendimento dos trabalhadores, precarizando o descanso e normalizando dias de férias sem vencimento;

-Subsídios em duodécimos: A proposta permite pagar os subsídios de Natal e férias aos poucos, diluídos nos salários mensais. Fragmentando o rendimento anual, esvazia a função dos subsídios e reduz a capacidade de planear férias ou enfrentar despesas sazonais;

-Enfraquecimento do teletrabalho: Ao eliminar a garantia de que recusar o teletrabalho não pode ser motivo de despedimento, o trabalhador deixa de estar protegido se recusar o teletrabalho. É uma forma de impor condições de trabalho sem negociação ou equilíbrio;

-Indemnização em vez de reintegração: Em caso de despedimento ilegal, as empresas passam a poder pedir ao tribunal que substitua a reintegração por uma indemnização. Isto dá carta branca aos patrões para despedirem sem receio de consequências reais.

Cada uma destas medidas visa desmontar as conquistas dos últimos anos, neutralizar o poder dos sindicatos e tornar o trabalho mais barato, mais instável e mais obediente. Mais do que apenas uma lista de medidas, isto é um novo código do trabalho onde se torna impune despedir e a precariedade é normalizada.

Os patrões aplaudem, sindicatos recuam?

A ofensiva patronal, liderada pelas confederações dos patrões, CIP (Indústria), CTP (Turismo) e CCP (Comércio), mostrou-se imediatamente entusiasmada com as propostas do governo de Montenegro. Aplaudem-nas como “uma boa base de trabalho”, elogiam o seu “carácter corretivo” e “maduro” e exigem que se vá ainda mais longe

A razão é evidente: o que está em cima da mesa não é senão a consagração legal de abusos que já eram prática corrente, embora à margem da lei. Com esta revisão do Código do Trabalho, o Governo oferece-lhes de bandeja a normalização do banco de horas individual, o alargamento da duração dos contratos temporários, o ataque à negociação coletiva, e a facilitação dos despedimentos. Uma “modernização”, dizem os patrões. ou seja, mais lucros à custa da precarização generalizada da força de trabalho.

No campo dos trabalhadores, Tiago Oliveira, secretário-geral da CGTP, declarou com justeza que estamos perante um “assalto aos direitos”. Mas, como já vimos noutras ocasiões, declarações não bastam. Se o ataque é frontal, a resposta tem de estar à altura. Até ao momento, a CGTP limitou-se a comunicados e intervenções públicas, sem qualquer plano concreto de mobilização. 

E é precisamente esse o impasse que ameaça paralisar o movimento dos trabalhadores: os dirigentes sabem o que está em jogo, mas não ousam chamar à luta os milhares de trabalhadores que dizem representar. Que mais será necessário para se marcar uma greve geral?

A UGT, como sempre, confirma o seu papel de correia de transmissão dos patrões dentro do movimento sindical. “Estamos em processo de reflexão”, dizem. A reflexão da UGT não é uma preparação para a luta, mas uma estratégia de apaziguamento para facilitar a concertação social. A mesma concertação que há décadas serve para entregar direitos em nome da “paz social”.

Por seu lado, o Bloco de Esquerda e outros setores da esquerda parlamentar denunciam com razão este pacote retrógrado. Mas a sua intervenção está prisioneira dos limites institucionais: requerimentos no Parlamento, discursos em conferências de imprensa, votações simbólicas, sem qualquer ligação concreta com os locais de trabalho e com as estruturas sindicais combativas. A política institucional pode ser útil como tribuna de denúncia, mas jamais substituirá a ação direta das massas trabalhadoras.

O que falta é uma frente sindical combativa, capaz de unir os setores que não se resignam. A CGTP tem a responsabilidade histórica de dar o primeiro passo: convocar uma campanha nacional, assembleias em todos os locais de trabalho e uma greve geral de 24 horas como início de uma luta prolongada. O tempo das palavras já passou. É tempo de parar esta reforma com a força da greve e da mobilização dos trabalhadores.

É urgente um plano de ação nacional, uma frente unificada e uma Greve Geral!

Não podemos assistir impassíveis a esta “Ofensiva de Verão” do patronato e do governo, que quer aproveitar o cansaço e a dispersão para impor um pacote sem precedentes. Precisamos de uma campanha nacional de denúncia e luta, com três eixos centrais:

1) Convocação imediata de uma Greve Geral nacional, a partir da CGTP, em articulação com todas as estruturas sindicais disponíveis para resistir, incluindo sindicatos independentes e setores combativos da UGT;

2) Criação de uma Frente Única Sindical de emergência, que una os trabalhadores numa resposta coletiva, democrática e militante;

3) Assembleias abertas de trabalhadores em todo o país, com debates e plenários, envolvendo sindicatos, comissões de trabalhadores e base sindical para decidir democraticamente a sua luta.

É o momento da escolha: ou retrocedemos décadas ou avançamos com coragem

A história ensina-nos que nenhum direito foi concedido. Todos foram conquistados. Agora, o governo quer eliminá-los ao serviço do capital, com a cumplicidade silenciosa ou passiva de quem devia liderar a resistência. Mas os trabalhadores portugueses têm memória, têm força e têm ferramentas.

Apelamos à CGTP para que rompa com o imobilismo, abandone os rituais de negociação vazia e assuma a liderança de um processo de mobilização real. Apelamos a cada delegado, dirigente e militante sindical que organize a indignação no local de trabalho. E apelamos a todos os sindicatos, confederações, coletivos de trabalhadores: é hora de parar o país para travar a ofensiva. 

Não estamos só a defender leis, estamos a defender a possibilidade de viver com dignidade. Este pacote é uma declaração de guerra social: contra o descanso, contra a estabilidade, contra o futuro dos nossos filhos. Os patrões já têm um Governo a escrever as suas ordens em Diário da República, falta à classe trabalhadora erguer a sua voz com força. Cabe à CGTP, aos sindicatos que ainda se dizem de luta, estar à altura. Não é tempo de moções, é tempo de convocar assembleias, unificar lutas e preparar uma greve geral. 

Porque se não pararmos isto agora, amanhã será tarde.

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