Quénia: Abaixo os assassinatos e a repressão do governo de William Ruto!

16 de Julho, 2025
7 mins leitura

Pelo UIT-QI

O passado mês de junho marcou o aniversário de um ano do clamor social contra a reforma fiscal e o orçamento, com os quais o governo de William Ruto pretendia pagar a dívida externa ao FMI. A fúria popular por causa das reivindicações não resolvidas, a repressão brutal, o assassinato do jovem bloguista e professor Albert Ojwan sob custódia policial, e o massacre durante o aniversário do “Dia de Saba Saba” (Em suaíli, “saba saba” significa “sete sete”, ou seja, o sétimo dia do sétimo mês do ano. Celebra vários feriados históricos na África Oriental e, no Quénia, é recordado como o dia em que se realizaram protestos à escala nacional em 1990, contra o então ditador Daniel arap Moi, que governou de 1978 a 2002, para exigir eleições livres) reacenderam o rastilho num país enforcado pelo FMI e pelas medidas de austeridade do Governo. O governo reprimiu brutalmente os protestos e matou 31 pessoas, deixando outras centenas de feridos e presos, mostrando que, desde a independência do Quénia, os capitalistas e os seus governos pró-imperialistas estão a afogar o povo trabalhador na miséria e na repressão.

Após a independência do Reino Unido, em 12 de dezembro de 1963, foi fundada, em 1964, a República do Quénia, na África Oriental. O primeiro governo esteve nas mãos de Jomo Kenyatta até à sua morte, em agosto de 1978. Durante o seu governo, impôs um regime de partido único, no qual se desenvolveram fortes investimentos estrangeiros e as terras foram compradas pela nova burguesia queniana, organicamente ligada ao capital britânico. Todos os governos subsequentes, incluindo os 24 anos do governo de Daniel Arap Moi até 2002, e aqueles que seguiram no século XXI, foram subservientes às ordens do FMI e do imperialismo norte-americano, e governaram para a burguesia imperialista a fim de fazer com que as maiorias trabalhadoras e populares pagassem a crise capitalista como agentes pós-coloniais da atual distribuição e semi-colonização de África.

A atual crise política e social no Quénia, onde vivem mais de 55 milhões de pessoas etnicamente diversas, é uma parte estrutural da crise capitalista global e das políticas seguidas pelos governos. Estruturalmente, a desigualdade é extrema, apesar de o Quénia ter a economia com o PIB que mais cresce na África Oriental. Segundo a Oxfam, menos de 0,1% da população (8.300 pessoas) possui mais riqueza do que os 99,9% mais pobres (mais de 44 milhões). Os 10% mais ricos do Quénia ganham, em média, 23 vezes mais do que os 10% mais pobres. Cerca de um milhão de crianças em idade escolar primária ainda não frequentam a escola, o 9º valor mais elevado do mundo. Apesar de 96% das mulheres quenianas rurais trabalharem na agricultura, apenas 6% das mulheres no Quénia possuem títulos de propriedade.

O impacto social da crise fez com que, até ao final de 2023, 15,3 milhões de quenianos, 80% dos trabalhadores, vivessem com salários abaixo do limiar de pobreza. Esta situação é fortemente sentida pelos jovens, num país em que 80% da população tem menos de 35 anos, onde a taxa de desemprego atinge quase 49%, e os 800.000 jovens que entram todos os anos no mercado de trabalho não conseguem encontrar trabalho.

Estas condições sociais terríveis e a extraordinária desigualdade são o gatilho para o descontentamento e as grandes mobilizações, que continuam sem parar. Durante o ano de 2024, as grandes mobilizações tiveram lugar contra a austeridade fiscal, que pretendia impor um aumento dos impostos sobre a habitação, os combustíveis, o pão e os alimentos, com o objetivo de arrecadar mais 2,7 mil milhões de dólares e assim pagar os vencimentos da dívida externa, que ascendem a cerca de 3,5 mil milhões de dólares, 68% do PIB do Quénia. A mobilização foi parcialmente bem sucedida, depois de terem sido massivas e conseguirem ocupar o parlamento, e conseguiu com que o governo suspendesse a assinatura do projeto lei de austeridade fiscal; mas em contrapartida reduziu as despesas com os direitos sociais e continuou a atacar a classe trabalhadora e os jovens desempregados que foram uma parte essencial dos grandes protestos.

As reivindicações não resolvidas e o assassinato de Albert Ojwan desencadeiam uma nova vaga de protestos

A nova vaga de mobilizações que teve início em junho é uma continuação dos grandes protestos de 2024, quando os jovens saíram à rua e enfrentaram uma repressão brutal que causou a morte de mais de 60 pessoas. As condições de vida não melhoraram desde então, as pressões do governo continuam e, por isso, os protestos voltaram a eclodir.

Dias antes da comemoração do aniversário das mobilizações de 2024, o assassinato do jovem professor e bloguista Albert Ojwan tinha abalado o Quénia. Albert Ojwan foi detido no sábado à noite, 7 de junho, quando jantava com a sua companheira. A polícia tinha-o detido na esquadra central sob a acusação de ter insultado um chefe da polícia nas redes sociais. No domingo de manhã, quando o seu pai chegou de uma cidade distante com o título de propriedade da sua casa para pagar uma possível fiança, o seu filho foi-lhe entregue morto com ferimentos contundentes e sinais de tortura e maus-tratos por parte da polícia. “Estava a sangrar do nariz e tinha o tronco e a cara feridos. Também estava sem camisa, mas não foi assim que o entreguei à polícia no sábado. O meu filho morreu como um animal”, conta o pai de Albert. Perante este escândalo, o Parlamento convocou o chefe da polícia e interrogou-o publicamente e na televisão, durante dois dias consecutivos. A autópsia provou que Albert não se tinha suicidado. Dois polícias foram detidos, seis pessoas estão a ser investigadas por homicídio, e o diretor-adjunto da polícia demitiu-se.

A rejeição foi expressa a partir de baixo, nas mobilizações de 26 de junho, em que um dos principais slogans era “Justiça para Albert Ojwan”. As mobilizações voltaram a deparar-se com a brutalidade policial caraterística do governo de Ruto quando, com recurso a balas, cassetetes, gás lacrimogeno e camiões com canhões de água, impediram que as mobilizações chegassem à sede do governo. O dia terminou num banho de sangue. Segundo a Amnistia Internacional, 16 pessoas foram mortas na repressão e 400 outras ficaram feridas, só nesse dia.

O massacre de “Saba Saba” e a declaração de guerra aos que ripostam

As celebrações do “Dia de Saba Saba” são uma comemoração anual em que o Quénia recorda as mobilizações ocorridas a 7 de julho de 1990, quando exigiu, juntamente com o imperialismo norte-americano, a participação multipartidária nas eleições. Este objetivo foi alcançado, embora o questionado Daniel Arap Moi tenha ganho as duas eleições seguintes, em 1992 e 1997. Em 2013, Uhuru Kenyatta, filho do primeiro presidente, venceu as eleições com Wiliam Ruto como vice-presidente. Ruto ganharia as eleições presidenciais de 2022 com promessas populares que nunca cumpriu, demonstrando, 35 anos depois das mobilizações de “Saba Saba”, que os capitalistas quenianos e o imperialismo governaram contra o povo trabalhador e que Ruto, recorrendo à repressão sistemática da mesma forma que todos os governos do passado, tem usado a repressão contra o povo trabalhador.

Neste contexto, a celebração anual tornou-se o cenário de um grande dia nacional de protestos para repudiar a repressão e as políticas do atual governo de Ruto. A mobilização voltou a tentar heroicamente chegar à sede do governo em Nairobi e a outras cidades do país, mas a militarização das ruas e a repressão ao longo do dia impediram-na de o fazer. A Comissão Nacional dos Direitos Humanos do Quénia (KNCHR – Kenya National Commission on Human Rights) documentou pelo menos 31 mortes, 29 feridos, 2 casos de rapto e 37 detenções em 17 dos 47 condados do país.

A repressão, orquestrada pela polícia, contou ainda com a cumplicidade de bandos para-policiais e de agentes à paisana armados com armas de guerra nas zonas de mobilização. Na quarta-feira, 9 de julho, Ruto declarou guerra aos manifestantes e autorizou as forças armadas a disparar contra as pernas dos manifestantes: “Qualquer pessoa que vá queimar a propriedade de outras pessoas, alguém assim devia levar um tiro na perna e ir para o hospital a caminho do tribunal. Não deviam matar a pessoa, mas deviam bater-lhe nas pernas para as partir”, disse o Presidente. Ruto também se dissociou da crise social e do desemprego no país, culpando os governos anteriores.

Se o povo do Quénia triunfar, o mesmo acontecerá com os povos do mundo

As lutas prolongadas do povo pobre do Quénia podem triunfar. Enquanto a oposição patronal apela a um falso diálogo ‘transversal’ do parlamento, as mobilizações nas ruas procuram livrar-se das medidas de austeridade e da repressão do governo. As organizações democráticas, de direitos humanos, sociais, políticas e de juventude, devem apoiar a justa mobilização do povo queniano contra o governo criminoso.

William Ruto é o inimigo de todos os povos explorados e oprimidos do mundo. Há meses que se postula como o melhor aluno do imperialismo norte-americano de Donald Trump na região. Enviou tropas policiais para o Haiti ao abrigo da Missão Multinacional de Apoio à Segurança no Haiti (MMS), com financiamento do governo francês de Macron, para reprimir o povo e apoiar um governo imposto, e começou a executar deportações de milhares de refugiados que vivem no Quénia.

A partir da Unidade Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (UIT-QI), repudiamos a repressão, o assassinato e a prisão dos que se mobilizam, e apoiamos a luta do povo trabalhador e da juventude do Quénia e as suas reivindicações. Exigimos justiça para Albert Ojwan, as 31 pessoas mortas e as centenas de feridos. Exigimos a libertação imediata dos activistas sociais detidos e o regresso imediato com vida dos desaparecidos.

Viva a luta do povo trabalhador e da juventude do Quénia! Basta de fome! Rutura com o FMI! Basta de repressão! Justiça para os mortos e punição para os culpados! Salários dignos, trabalho decente, saúde e educação para acabar com a pobreza! Fora com o assassino William Ruto e os seus cúmplices! Que os trabalhadores governem!

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