Renata Cambra, professora e porta-voz do Trabalhadores Unidos
Em setembro de 2024, o regresso às aulas em Portugal trouxe à tona, mais uma vez, a crise provocada pela falta de professores nas escolas, demonstrando aquilo que já todos devíamos saber à partida: não será o governo da AD a resolver os problemas da educação, muito menos a pública. A falta de mais de 800 professores em várias escolas deixou pelo menos 200 mil alunos sem aulas regulares a pelo menos uma disciplina no início do ano letivo. Para muitas crianças e jovens, é mais um ano em que o direito “à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar” não lhes será assegurado.
A precariedade e a instabilidade na carreira docente são duas das principais razões para este cenário. Nos últimos seis anos, mais de 14.500 professores abandonaram a profissão, o que representa mais de 10% do corpo docente qualificado do país. Estes números revelam um sistema que afasta os profissionais, o que acontece por causa de baixos salários, condições indignas e cargas de trabalho extenuantes, para não falar das colocações em zonas afastadas e diferentes a cada ano, que muitas vezes levam os professores a terem de fazer escolhas impossíveis entre a carreira e a família ou a ter de pagar para trabalhar, sobretudo devido aos custo de deslocação e à necessidade de arrendar uma segunda casa, aumentando os seus gastos mensais.
Mas o problema vai além da falta de professores e é igualmente grave no que toca ao pessoal não docente. Por exemplo, faltam ainda cerca de 6 mil assistentes operacionais no sistema educativo – que deveriam, na verdade, recuperar a sua carreira como técnicos auxiliares de educação, à semelhança do que aconteceu com os assistentes operacionais no sistema de saúde – para garantir a higiene e a segurança dos estabelecimentos escolares e dar apoio aos alunos e professores. Além disso, faltam técnicos superiores e especializados em quase todas as escolas, como psicólogos, terapeutas da fala, mediadores, técnicos de serviço social e outros, todos eles determinantes para garantir uma escola inclusiva e de qualidade.
Assim, a política de municipalização do ensino, partilhada pelo PSD e pelo PS, e que o atual Ministro da Educação, Ciência e Inovação (MECI) quer aprofundar, alargando-a dos assistentes operacionais para os técnicos superiores e especializados, é particularmente danosa, já que, com as assimetrias municipais que existem, os municípios com menos verbas ou liderados por autarcas que não têm qualquer interesse em investir na escola pública terão inevitavelmente escolas onde falta o pessoal não docente necessário para o seu bom funcionamento. Pelo contrário, o pessoal não docente, essencial para assegurar um sistema educativo de qualidade aos nossos jovens, tem de estar, todo ele, sob a tutela do MECI, que deve garantir a valorização das carreiras e dos salários destes profissionais e, à semelhança do pessoal docente, devolver também o tempo de serviço trabalhado.
A precarização dos profissionais da educação não é fruto de má vontade ou incompetência, mas o resultado direto de um projeto político consciente, levado a cabo pelos sucessivos governos do PS e do PSD para enfraquecer e desmantelar a educação pública, de maneira a poder depois argumentar que, para colmatar as insuficiências e ter uma rede escolar eficiente, é preciso a “ajuda” dos privados, discurso que apenas serve para justificar a entrega de dinheiros públicos a escolas privadas. Esta é precisamente a política que o atual governo da AD aplica, mantendo o desinvestimento crónico para a educação pública e aumentando o financiamento para os colégios privados, que passam a receber mais 5.676 euros por turma, uma subida de cerca de 7%.
Assim, mesmo que o MECI anuncie uma ou outra cedência aos professores, procurando pacificar as escolas e evitar o surgimento de um novo processo de luta, que acabaria por tornar ainda mais bamba a corda em que este governo se tenta equilibrar, a verdade é que jamais resolverá a razão estrutural para a falta de profissionais, que é a deterioração generalizada da escola pública causada pelo desvio propositado de dinheiro público para os privados. De facto, longe de solucionar os problemas existentes, este governo recorre a “medidas paliativas”, como a flexibilização das regras de contratação temporária ou a tentativa de trazer professores reformados de volta para as escolas, medida particularmente absurda tendo em conta o estado de extremo cansaço em que a maioria dos profissionais termina a carreira e que em nada contribui para atrair novos profissionais.
Também grave é o aumento do número de horas extraordinárias semanais de 6 para 10, que coloca ainda mais pressão aos docentes, já sobrecarregados, afetando diretamente a saúde dos docentes, a qualidade do ensino e, consequentemente, a aprendizagem dos alunos. Esta situação, por sua vez, traz à tona um outro problema que nem o PS nem o PSD querem resolver, que é o da falta de democracia na gestão escolar, cada vez mais esmagada pela figura autoritária do diretor. A contribuir para a tensão nas escolas temos ainda as avaliações injustas e por quotas, o impedimento de acesso à Caixa Geral de Aposentações (CGA), as ultrapassagens por falta de reposicionamento na carreira tendo em conta o tempo de serviço, entre outros.
Enquanto isso, as elites financeiras e os setores privados continuam a lucrar. Não é coincidência que os colégios privados, que enfrentam os mesmos desafios com a falta de professores, estejam a aumentar salários para atrair profissionais. A lógica é clara: transformar a educação numa mercadoria acessível apenas a quem pode pagar. A educação pública está a desmoronar-se e quem sofre as consequências são os estudantes mais pobres e filhos da classe trabalhadora, assim como os profissionais da educação, que todos os dias enfrentam condições de trabalho precarizantes. Estudantes de famílias com menos recursos encontram-se cada vez mais encurralados, seja pela falta de qualidade no ensino, seja pela falta de professores ou, no caso do ensino superior, pelas propinas.
A educação devia ser para todos, mas, para este governo, é um privilégio e não uma prioridade. A resposta a esta crise não virá das mesmas forças políticas que nos trouxeram até aqui. Assim como no passado recente, quando milhares de profissionais da educação se mobilizaram, arrancando a vitória da recuperação do seu tempo de serviço, é preciso continuar a lutar contra este projeto que visa precarizar e privatizar o ensino público. Só a organização e a mobilização unida dos profissionais da educação, estudantes e restante comunidade escolar em defesa da escola pública, gratuita e de qualidade pode trazer uma verdadeira mudança. Desta vez, que ninguém nos engane.