100 dias volvidos desde a sua tomada de posse, Montenegro tem tentado diferenciar-se do anterior executivo apresentando-se como um fazedor, anunciando medidas todas as semanas – ainda que a maior parte delas ainda estejam por executar.
100 dias volvidos desde a sua tomada de posse, Montenegro tem tentado diferenciar-se do anterior executivo apresentando-se como um fazedor, anunciando medidas todas as semanas – ainda que a maior parte delas ainda estejam por executar. Do anúncio da localização do novo aeroporto à recuperação do tempo de serviço dos professores – que deixa de fora os entretanto já reformados e os que estão perto da reforma –, passando pelo plano de emergência para a saúde – que é, na verdade, mais um passo no caminho da privatização.
A estas medidas juntam-se o fim das SCUTs – mas mantendo a transferência de dinheiros públicos para as concessionárias –; o IRS jovem – que beneficiará ligeiramente a pequena minoria de jovens que recebe acima de 1300 € –; o levantamento de impostos extraordinários ao Alojamento Local; etc. Todas medidas que ou são comicamente insuficientes, ou agravam os problemas do país. O governo está tão determinado em apresentar medidas que até apresenta medidas já aprovadas pelo anterior governo do PS – como foi o caso da descida do IRS e, agora mais recentemente, do apoio militar à Ucrânia de 126 milhões de euros.
Ao mesmo tempo, o Plano de Ação para as Migrações do novo governo veio dificultar ainda mais os pedidos de autorização de residência para imigrantes a trabalhar em Portugal, colocando um entrave maior à regularização de milhares de trabalhadores imigrantes que inclusive já descontam para a Segurança Social, tornando-os mais vulneráveis a condições precárias e de superexploração. De forma mais silenciosa e a pedido dos patrões, o governo vai também fazer alterações à legislação laboral. Entre as medidas propostas pelas confederações patronais conta-se a reposição do banco de horas por negociação individual e o fim das baixas automáticas de até três dias, que podiam ser submetidas pelos trabalhadores.
Estabilidade Instável de Montenegro
O novo governo vive numa estabilidade instável. Ao contrário do anterior governo, Montenegro não tem estado a responder todos os meses a novos casos e casinhos, conseguindo, inclusive, afastar-se da situação tóxica que vive o PSD na Madeira, que só conseguiu viabilizar o governo de Albuquerque com a ajuda do Chega, da Iniciativa Liberal e do PAN. Apesar de ter ficado em segundo lugar, o resultado das Eleições Europeias também ajudou a solidificar a estabilidade do governo, ao não revelar nenhuma alternativa viável.
Nem o PS, PSD ou Chega querem, pelo menos para já, novas eleições, o que dá algum alívio a Montenegro. Além disso, estabeleceu-se, entre PS e PSD, um pacto de regime, com o apoio de Montenegro à candidatura de Costa ao Conselho Europeu a selar o acordo. Pelo seu lado, Pedro Nuno Santos até já deu sinais de viabilizar o Orçamento do Estado para 2025, apesar de ainda não se ter aberto essa discussão no Parlamento. Assim, o governo de Montenegro, apesar da sua vitória curta nas legislativas, vai passando pelos pingos da chuva.
Muitas greves mas pouca luta
Uma das prioridades do governo foi tentar acalmar a onda de mobilizações que estava em crescendo ao longo do ano de 2023 e que acabou por minar o anterior executivo. Apostou logo na velha técnica do “dividir para conquistar”, ao aprovar a recuperação do tempo de serviço, já este ano, para a maioria dos professores, mas deixando de fora os restantes profissionais da educação, isto é, o pessoal não docente, que também lutou para conquistar esta reivindicação. Para os polícias, depois de negociado e assinado por alguns dos sindicatos, o Governo também concedeu um aumento – ainda que se mantenha inferior ao aumento recebido pelos polícias da Polícia Judiciária.
Está claro que o número de greves tem aumentado, mas quantidade nem sempre equivale a qualidade. É certo que tem havido greves dos trabalhadores da saúde, das escolas, das empresas, entre outros, mas, à sua boa maneira, os sindicatos tradicionais têm-se esforçado em manter as greves divididas e em manter a contestação sob controlo, encaminhando-as para impasses ou maus acordos. Infelizmente, não se tem visto grandes mobilizações como vimos no ano anterior, faltando ainda ao Governo pacificar o setor da saúde.
O perigo das Frentes Populares
O impacto das eleições na França, com a vitória da Nova Frente Popular, trouxe para Portugal a pressão para se formarem, também aqui, amplas frentes de esquerda. Aproveitando os ventos favoráveis, Rui Tavares lançou a proposta de uma grande frente de “esquerda” – com PCP, BE, Livre, PS e PAN – contra Carlos Moedas nas próximas eleições autárquicas. Ou seja, para o Livre, esta política não só é a correta para “derrotar a extrema-direita”, como será útil para derrotar qualquer direita, como se as políticas de Carlos Moedas não fossem praticamente as mesmas que estavam a ser aplicadas por Fernando Medina, do PS, uns anos antes.
Mas a ideia da Frente de Esquerda não é nova. Logo a seguir às Eleições Legislativas de 2024, Mariana Mortágua saiu logo a chamar a uma frente de esquerda em oposição ao Governo PSD. Mas atrelar a oposição da esquerda às políticas do PS – repetindo os erros trágicos da geringonça – não é uma política séria para combater as políticas dos patrões, já que essas também são aplicadas pelo próprio PS. Ao não se afirmar como uma alternativa a tanto PS como PSD, a esquerda empurra para a extrema-direita um setor da classe trabalhadora que está cansada desses dois partidos.
A alternativa que queremos construir
Nos últimos anos, temos testemunhado uma crescente insatisfação com os partidos parlamentares tradicionais, que falharam em oferecer soluções reais para os desafios enfrentados pelos trabalhadores e pela juventude. Nem o centrão, que há décadas implementa políticas que aprofundam os problemas sociais, nem a extrema-direita, com suas propostas ainda mais agressivas para com os trabalhadores, apresentam uma alternativa real. Também a esquerda, mais preocupada em fazer concessões ao PS do que em propor uma alternativa independente, frustrou as expectativas de milhares.
É por este motivo que precisamos de uma alternativa à esquerda de pantufas, que tem necessariamente de ser construída todos os dias, nas lutas dos trabalhadores e das suas organizações por melhores condições laborais e de vida, das populações e dos ativistas que se mobilizam pelo direito à habitação, contra o racismo e a xenofobia e contra a mineração, a seca e outras consequências das alterações climáticas, e chamando também a juventude precária e sem perspectivas de futuro que se começa a organizar. Uma alternativa que não viva de espalhar a ilusão de que tudo se pode resolver mediante a quantidade de lugares que ocupa no parlamento, mas que se fortaleça nas lutas sindicais e sociais, que são os verdadeiros pilares da resistência aos ataques dos governos e das elites dominantes.
Construir esta alternativa não é fácil, mas é possível. Vem construí-la connosco.