Este ano acabou por se tornar uma verdadeira montanha-russa, começando com a célebre frase de António Costa “vão ser 4 anos, habituem-se!” e terminando numa crise política causada pela sua demissão em novembro. Na viragem para o novo ano de 2024, aproveitamos para recordar a política nacional e as lutas que foram travadas.
Ano começa no calor das mobilizações dos profissionais da educação
O ano de 2023 começou no calor das mobilizações dos profissionais de educação. Nos meses de janeiro e fevereiro assistimos a três manifestações que reuniram, cada uma delas, 100 mil trabalhadores da escola pública. Tratava-se da abertura de um processo de mobilização que veio influenciar o conjunto da classe trabalhadora portuguesa. Juntaram-se os funcionários judiciais com greves por tempo indeterminado.
Também os trabalhadores da TAP e Easyjet protagonizaram importantes greves. Seguiram-se os médicos, enfermeiros, assistentes técnicos e operacionais, o governo ficou encostado às cordas. Com a população a simpatizar largamente com as greves em curso, estava colocada a união das lutas de todos os trabalhadores numa greve geral, contra o aumento do custo de vida e pelos serviços públicos, mas, novamente, a CGTP e a UGT mantiveram todas as lutas separadas.
Polémica da TAP
Mas não foram só as lutas dos trabalhadores que colocaram o Governo em cheque, também a polémica em torno da TAP expôs mais fragilidades do Governo PS. O ano de 2022 fechou com esta bomba a rebentar nas mãos do governo. A indemnização de 500 mil euros a Alexandra Reis, numa empresa em que o Estado impôs uma agressiva reestruturação aos trabalhadores – despedindo centenas e reduzindo o salário aos que ficaram – abriu uma caixa de pandora.
No meio da polémica, Pedro Nuno Santos, responsável pela pasta da TAP, demite-se do Ministério das Infraestruturas, numa tentativa de salvar a sua pele. Foi substituído por Galamba, que teve de responder perante uma comissão parlamentar de inquérito. Aí, entre os episódios de telenovela que se passaram dentro o ministério e as respostas combinadas entre a CEO da TAP e o Governo PS, acabou por se confirmar o que já todos sabíamos: que a privatização da TAP, conduzida pelo governo PSD, permitiu a David Neeleman comprar a TAP com o próprio dinheiro da TAP.
Ainda assim, 2023 foi um ano histórico para a TAP, que voltou a dar lucros pela primeira vez em muitos anos. Com isso, o Governo apressou-se logo em avançar, então, com a privatização da companhia. Nem espera recuperar os 3,2 mil milhões que lá foram injetados. A TAP ficará na história como um exemplo de como as negociatas entre o público e o privado acabam por prejudicar a todos: os prejuízos são pagos pelo Estado enquanto os lucros são açambarcados pelos privados.
Aprofundou-se o caos no SNS
Entre o caos no Ministério das Infraestruturas, e a contestação ao Ministério da Educação, o Ministério da Saúde também se encontrou sob fogo. Este ano foi um ano de fecho de urgências, obstétricas num caos e Hospitais a perderem serviços. Foi mais um ano catastrófico para o SNS, que caminha a passos largos para a privatização.
Grandes empresas apresentam lucros
extraordinários com o aumento dos preços
O aumento do custo de vida e a inflação, provocadas pelo aumento das margens de lucro das empresas, também se acentuou este ano. O governo nada fez para proteger as pessoas, em vez disso, fixou um cabaz com IVA 0, permitindo às grandes distribuidoras aumentar ainda mais as suas margens de lucro mantendo os alimentos aos mesmos preços. Quem beneficiou destas medidas e da inflação foram empresas como a Jerónimo Martins, dona do Pingo Doce, que apresentou lucros históricos este ano, lucrando €2 milhões por dia.
Problema da Habitação continuou a aprofundar-se
Este ano foi também um ano em que os preços das casas atingiram valores históricos. As rendas estão insuportáveis e tudo isto levou centenas de pessoas às ruas. Fingindo-se preocupado com a crise da habitação, o Governo apresentou, no início de 2023, o programa “Mais Habitação”.
Na realidade, o programa não respondia às necessidades. Não tinha qualquer forma de controlar a especulação dos preços das casas nem limitava de nenhuma forma os preços das rendas. Aliás, o programa colocava os inquilinos numa posição ainda mais precária ao facilitar os despejos. O “mais habitação” trazia apenas isenções fiscais e subsídios para que os senhorios pudessem com mais facilidade fazer obras nos seus imóveis.
Negociatas no Governo levam à demissão de António Costa
O governo foi sempre conseguindo sobreviver à contestação que irrompia por todos os lados, quer fossem as poderosas greves dos trabalhadores da saúde e da educação, ou polémica em torno da TAP, mas acabou por ser mesmo a implicação do Primeiro Ministro num processo de corrupção aberto pelo Ministério Público que deu a machadada final e fez com que António Costa apresentasse a demissão.
Mas as ilegalidades e suspeitas em torno dos negócios do lítio no Barroso e em Montalegre e do mega centro de dados em Sines não colocaram um fim a estes projetos, rejeitados amplamente pelas populações locais, ainda mais tratando-se de negócios apadrinhados pela própria União Europeia. Por isso as populações do Barroso e de Montalegre continuam na sua justa luta contra as minas de Lítio, que arrasarão com as suas terras.
Já Marcelo Rebelo de Sousa, que ao longo dos seus mandatos tem aparecido como uma figura de estabilidade do Estado, aparece sob fogo depois da notícia de favorecimentos do tratamento de duas gémeas luso-brasileiras no SNS por intermédio do filho do presidente.
Ano termina com o anúncio de novas eleições em 2024
O ano terminou, assim, com a convocatória de novas eleições, e com a eleição de Pedro Nuno Santos à cabeça do PS. Mas o grande protegido desta crise política é mesmo o Orçamento do Estado para 2024, que continua a agravar os problemas que já se foram arrastando durante todo o ano.
Ainda assim, a convocação de novas eleições acabou por trazer novas promessas para cima da mesa. O atual ministro da educação João Costa, que passou o ano todo a dizer aos professores que não havia maneira de recuperar o tempo de serviço congelado, agora garante que já há fundos para cumprir essa promessa. Também os partidos da esquerda estão preparados para formar uma geringonça 2.0, ignorando o facto da última geringonça não ter trazido nenhuma melhoria significativa à classe trabalhadora. Por seu lado, Chega tem tentado moderar o seu discurso, mesmo depois da demissão de Costa, a preocupação de Ventura tem sido manter a estabilidade do regime. Já o PSD ensaia um afastamento do Chega, mas é claro que irá recorrer ao apoio deste partido se for necessário para formar governo.
O que é certo é tanto um governo PSD – com ou sem os partidos à sua direita – ou um governo PS – com ou sem uma nova geringonça – não vão resolver os problemas que o país e os trabalhadores atravessam, porque foram precisamente estes governos que nos trouxeram ao ponto em que estamos.
Faz falta uma alternativa a estas políticas ruinosas e a unidade dos trabalhadores para enfrentar as políticas do governo, combater a destruição dos serviços públicos e reverter o aumento do custo de vida.